H. Zimmermann
(Membro da diretoria da Sociedade Antroposófica Geral no Goetheanum, Dornach, Suíça)
Transcrição de duas palestras proferidas no Espaço Cultural Rudolf Steiner em São Paulo,
feita por Valdemar W. Setzer a partir da fala original e da tradução consecutiva de Sonia Setzer; observações do transcritor grafadas com [...]
Primeira palestra, em 30/7/2005
A palavra "meditação" está bastante "gasta": neste recinto deve haver tantas interpretações para ela quantos são os presentes. Alguns acham que meditar é tão difícil quanto escalar o Aconcágua; outros acham que meditar é ter uma música de fundo e estarem deitados em uma cama muito confortável. Há vários níveis entre esses dois extremos. Para certas pessoas, meditar exige condições especiais, como um determinado cheiro no ambiente, ou então pegar-se um pozinho e bebê-lo com água, dizendo para si: "Agora sinto-me mais leve." Para outros, é preciso ter um mestre, que estabeleceria a hora em que o discípulo deve levantar-se, que cadeira deve ser usada, quer roupas devem ser vestidas, etc. É possível colocar pessoas em estado hipnótico, e também induzirem-se pessoas a terem imagens maravilhosas de vidas pregressas. Tudo isso cabe na palavra "meditação".
Hoje e amanhã vamos tratar do que Rudolf Steiner falou sobre esse tema em palestras e em escritos. Para ele, a meditação é apenas um meio, entre outros, que pode ajudar em um processo de autodesenvolvimento. Ele diz que é até perigoso colocá-la no centro da vida.
A primeira frase do livro de Steiner Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores [São Paulo: Editora Antroposófica, com o título O Conhecimento dos Mundos Superiores] diz que em cada ser humano existem faculdades adormecidas por meio das quais ele pode adquirir conhecimento dos mundos superiores. Isso não depende da origem da pessoa e da sua formação.
Existem formas de meditação que partem do estado normal de vigília, passando para um estado de penumbra, produzindo vivências como de sonho. Esse é, por exemplo, o caso da hipnose. É também o método que se praticava na antiguidade, como por exemplo no antigo Egito. O discípulo do templo tinha que passar por determinadas provas, que eram um caminho de purificação. Depois delas vinha o momento da iniciação. Ela consistia em que um sábio, o hierofante, colocava o neófito em um estado letárgico. Nesse estado, que era como um sono profundo, a constituição superior do neófito entrava em contato com os mundos superiores durante 3 dias. Uma vez desperto, o neófito podia contar todas as vivências que ele tinha tido. Esse procedimento era perfeitamente válido naquela época. O neófito ficava totalmente dependente do hierofante. Aqui está a grande diferença para o caminho de Rudolf Steiner. Ele exige que o discípulo espiritual faça cada passo de seu caminho por uma ação puramente interior, e não exterior. Além disso, o seu método implica em partir da máxima consciência possível, aumentando-a, ao contrário de um estado de sonho – trata-se de se ter consciência clara durante o sono. Pode-se notar que muitos caminhos de meditação de hoje remetem a pessoa ao estado do egípcio, em que a consciência era diminuída; nesse caso não se conta com a liberdade humana.
O que faz com que uma pessoa queira seguir um caminho meditativo? Qualquer um de nós tem um sentimento de que o que somos na vida cotidiana não é tudo; algo vive dentro de nós acima dessa vida. Pode-se dizer que existe, em cada um, um desejo de se elevar a algo superior.
Rudolf Steiner dá uma condição fundamental para o caminho, que está no livro Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores: é o sentimento de veneração, pois só se pode desenvolver o conhecimento dos mundos superiores se se considera que há algo superior por detrás das aparências.
Magia Branca – pressupõe que há algo superior dentro de cada um. Magia Negra – usar as forças superiores com fins egoístas, em benefício próprio. Na meditação, se não forem tomados cuidados, os aspectos de egoísmo adquirem um poder muito maior do que sem essa prática.
Essa foi uma introdução bem geral. Vamos detalhar os passos. Hoje, e principalmente amanhã, vamos dar indicações práticas.
Em primeiro lugar, é necessário preparar-se. Cumpre dizer que o caminho meditativo tem uma infinidade de passos; cada um deve partir de onde se encontra. Eu estive nesta semana em Botucatu, na Estância Demétria. Lá o ar era limpo, e podia-se ver muito bem as estrelas e a Via Láctea; Vênus estava enorme. Pode-se dizer com essa experiência: "Que maravilha, tenho um sentimento de veneração." Um outro exemplo é admirar-se a geometria de uma flor. Ou olhar-se nos olhos de uma criança, que expressam uma total confiança. O caminho pode começar procurando-se uma vivência desse tipo em cada dia, observando-se qualquer coisa que nos eleve acima do cotidiano.
O segundo passo é mais difícil. É uma frase que também pertence ao Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores: "Reserva-te momentos de calma interior e aprende a distinguir o essencial do acessório."
Não é fácil cumprir a determinação de se reservar esses momentos de calma interior. Pode-se esquecer de fazê-lo ou, durante esses momentos, tocar o telefone, lembrar-se de que se devia falar com alguma pessoa, etc. A cada passo que se tenta dar, vem o diabo e diz: "Não!". Por exemplo, pode-se sentir uma coceira aqui ou acolá, lembrar-se de que se esqueceu de desligar o fogão, e assim por diante. Isso é uma lei e tem que ser assim. Para alguns, o melhor é deixar o dia terminar e fazer o exercício à noite. Para outros, isso leva a um adormecer; para esses o melhor é de manhã. O mais importante é decidir que nesses momentos não se deve ser incomodado – é um momento de conversa consigo próprio.
Conheço muitas pessoas para as quais a meditação não deu resultado por falta dessas preparações: elas querem ir para a 4a série sem passar pelas 1a e 2a séries.
A vida deve mudar. Na vida normal estamos sempre reagindo ao que vem de fora; estamos sempre um pouco atrasados. Ou, então, vive-se no passado, "o que ele disse...", ou no futuro, "preciso fazer isso ou aquilo", e não se vive o presente. Um exemplo é estar-se na fila do supermercado e se pensar impacientemente: "Quando chegará a minha vez?" Muitas vezes lamenta-se que se está na fila errada, que não anda; a coisa fica realmente excitante quando, de repente, abre uma nova caixa.
Refletindo-se sobre essa situação, no fundo tudo isso é tempo perdido. O que está acontecendo atrapalha o que deve ocorrer.
No entanto, uma outra atitude é dizer: "Neste momento tenho algum tempo, vou decorar uma poesia, observar as outras pessoas, planejar a tarde etc." De repente o tempo passa rápido, e até lamenta-se que a vez já chegou.
Há um tempo ocupado e um não-ocupado. No caminho meditativo, trata-se de se ocupar todo o tempo, sempre fazer-se algo útil. Por exemplo, fechar de vez em quando os olhos durante o dia. Em volta tudo passa-se aos borbotões; leva tempo para eliminar toda essa influência. Trata-se de, uma vez por dia, criar esse espaço interior e estar consigo mesmo. Isso pode começar com um minuto de respiração lenta e, quando se chegar a essa calma interior, preencher o espaço assim criado.
No início, pode-se falar uma oração; nesse nível, oração e meditação são a mesma coisa. Na oração, dirijo meu coração para o divino. No caso da meditação, o ponto de partida é a consciência e como lido conscientemente com as coisas. Steiner recomenda pelo menos 5 minutos para esse tempo de calma interior. Eu acho que hoje deve ser mais do que 5 minutos; contando o preparo, pelo menos 15 minutos.
Rudolf Steiner dá três âmbitos onde se pode iniciar o caminho de exercícios. Mas a criação do espaço interior de 15 minutos, mesmo sem o conteúdo meditativo, já enriquece a vida. No caminho antroposófico, o próprio caminho é a meta. Quando se consegue criar esse espaço interior diariamente, já houve um progresso. Hoje há uma fraqueza de vontade. Não se devem dar passos muito largos, deve-se achar a medida correta, nem demais, nem de menos.
Quando se percebe que nem esses 15 minutos são conseguidos, devem-se diminuí-los. Por exemplo, conseguindo-se isso sistematicamente de manhã antes do café da manhã, pode-se querer prometer-se uma vez mais durante o dia, depois duas vezes. Se a intenção inicial é fazer isso durante o próximo mês e depois de três dias interrompe-se, isso é paralisante.
Há três âmbitos de exercícios que não podem ser incluídos nesses 15 minutos, mas devem fazer parte do cotidiano.
1. Um exercício é observar, no âmbito da vida, por um lado os processos de crescimento, floração, desenvolvimento e, de outro, os processos de fenecer, de desaparecimento. Por exemplo, observar numa só planta folhas novas e tenras e outras que estão amarelando e murchando. Num bosque, folhas se decompondo no chão, outras novas nas plantas. Não se trata apenas de observar esses fenômenos, mas de prestar atenção aos sentimentos que surgem nessa observação.
Pode acontecer que, ao se observar algo brotando, o primeiro sentimento é que simplesmente não há sentimento. Isso se deve ao fato de se ter uma tal quantidade de percepções sensoriais que se esquecem os sentimentos. Ainda se é um bebê nesta vida. Por isso deve-se olhar todos os dias para essa planta florescendo, até que se tenha algum sentimento.
Se só se registra o que se vê, permanece-se apenas na cabeça; são processos instantâneos. O sentimento precisa de tempo; nele ocorre um retardo do tempo. Na vida meditativa é necessário desacelerar, passar de segundos para minutos. Na velocidade atual das pessoas, vive-se nos segundos. Andando-se de carro em São Paulo não se pode ir com calma – correr-se-ia perigo de vida.
Deve-se, portanto, criar durante o dia um espaço interior em que o tempo seja lento. Assim penetra-se no âmbito suprassensível. O que vemos na planta fisicamente é a ação das forças plasmadoras, suprassensíveis, que fazem a planta crescer e fenecer. Acompanhando-se esse processo penetra-se no âmbito suprassensível. Para quem conhece a antroposofia, esse é um exercício preparatório para o conhecimento imaginativo.
2. Exercitar a audição de sons da natureza. Nesse exercício tenta-se dar atenção às fontes acústicas, da mesma forma que se observou a planta. Por exemplo, os ruídos da chuva caindo, de um riacho, de galhos batendo. Tudo isso revela qualidades que, num primeiro passo, devem ser vivenciadas. Num passo seguinte, deve-se atentar para o som animal, como o cacarejar de um galo, o mugir de uma vaca, o balir de uma cabra. Cada um desses sons tem qualidades muito diversas, vinculadas com a essência do ser. Não se espera de uma vaca gorda ruminando no pasto que ela faça hi hi hi! O muuu é muito mais redondo. Aqui se trata também de descobrir o suprassensível no sensível.
Esses dois exercícios mostram um ponto essencial do caminho do conhecimento antroposófico: sempre se vincular ao mundo sensório, mas se reconhecendo a manifestação do suprassensível. Esse caminho é o do cultivo dos sentidos para se chegar ao espírito.
Há caminhos iniciáticos que desprezam o mundo sensorial. Esse não é de modo algum o caminho antroposófico.
3. Cultivo da audição e da fala. Em geral, quando alguém ouve outra pessoa falar e entende o conteúdo, fica satisfeito. Muitas vezes, enquanto o outro está falando já se está procurando a resposta.
Neste exercício, trata-se de se imergir no ouvir, deixando de lado o entendimento do conteúdo. Assim que algo como uma crítica aflora, deve-se deixá-la de lado. Com isso penetra-se cada vez mais na esfera do que se relaciona com o outro, pois na voz de cada pessoa vive algo de individual, da essência do mesmo. Quando se faz um cultivo interno dessa capacidade de ouvir o outro, de repente tem-se um raio instantâneo da essência dessa outra pessoa.
Ao julgar-se, está-se dentro de si próprio. Escutando o outro, não está-se em si próprio, mas no outro, na periferia de si. Está-se um pouco fora de si; conscientemente, mediante a própria vontade, adormece-se dentro do outro. O caminho do conhecimento do suprassensível é adormecer conscientemente. Ao adormecer normalmente esquece-se tudo: de manhã não há lembrança das vivências tidas durante o sono. O caminho do autodesenvolvimento consiste em adormecer-se conscientemente, soltar-se do próprio corpo conservando a consciência. A prática meditativa consiste em conscientemente escarnar-se da própria corporalidade.
Passemos aos conteúdos da meditação. Há dois grupos desses conteúdos:
1. Meditações em imagens, concentrando-se em objetos ou símbolos. Abrange os conteúdos relacionados com imagens produzidas por representação mental.
2. Meditações no decorrer do tempo, usando-se versos, frases, pensamentos. Todas as formas que decorrem na sucessão do tempo.
Amanhã veremos mais detalhes. Hoje vamos nos concentrar no primeiro tipo, usando a "meditação da semente", dada por Rudolf Steiner, no livro Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores.
Primeiro passo: "Observemos uma pequena semente de uma planta." É importante tratar-se de semente de uma planta conhecida. "Convém, diante dessa coisa insignificante, intensificar os pensamentos corretos e, através desses pensamentos, desenvolver certos sentimentos." Importante: partir de algo sensório e, depois, desenvolver pensamentos e sentimentos. "Em primeiro lugar conscientizemos o que se vê realmente. Descrevamos a nós mesmos forma, cor, todos os demais atributos da semente." Portanto, o primeiro passo é a observação.
Segundo passo. "Depois, reflitamos sobre o seguinte: dessa semente nascerá uma planta multiforme se for plantada na terra." Agora vejo algo novo – é um pensamento de que no futuro, a partir da semente, poderá surgir uma nova planta. "Conscientizemos essa planta, estruturando-a a seguir na fantasia. ‘O que agora represento em minha fantasia as forças da terra e da luz mais tarde farão realmente sair da semente.’"
Terceiro passo. Atividade de formar imagem interior. É necessário ativar a capacidade de formar imagens, e representar algo que vai ser e que ainda não existe.
Quarto passo. Ter sentimentos ligados ao que se está imaginando.
Quinto passo. Concentração mental.
Agora já se pode notar que habilidades são necessárias para a meditação e que já foram exercitadas nos exercícios precedentes:
1. Capacidade de observar detalhadamente. Exemplo: Qual o aspecto de uma semente conhecida? Pode-se imaginar claramente uma noz?
2. Concentrar-se numa sequência de pensamentos e ainda acompanhá-los de sentimentos. Percebe-se que, aquilo que foi executado com sentimentos ao observar plantas desenvolvendo-se e fenecendo, vai voltar.
3. Atividade de criar imagens interiores, como o desenvolvimento da planta.
4. A capacidade de se concentrar, de não permitir que advenham outros pensamentos.
Pode-se notar como muitas capacidades devem ser desenvolvidas:
1. Como exercitar a capacidade de observação.
2. Como desenvolver a fantasia baseada no pensar.
3. Como desenvolver os sentimentos.
4. Como desenvolver a capacidade de criar imagens interiores.
5. Como aumentar a capacidade de concentração.
Todo isso é essencial para a meditação. Amanhã veremos exemplos mais concretos.
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