Ute Craemer

(Compilada por Valdemar W. Setzer, em entrevista, em 25/1/11)

Ute Craemer nasceu em Weimar, Alemanha, em 1938. Seu pai era professor universitário de engenharia civil, tendo escrito vários livros técnicos sobre estruturas. Sua mãe era costureira; até hoje Ute usa vestidos que ela fez. Durante a guerra sua família mudou-se para Graz, na Áustria, onde seu pai pôde trabalhar na Escola Politécnica local até 1946. Em 1948, a família mudou-se para Belgrado, na Iugoslávia pois, sendo alemã, tinham dificuldades de sobrevivência (por exemplo, não recebiam cartão de cesta básica). Em Belgrado, seu pai trabalhou no Ministério da Construção, e ela frequentou por dois anos uma escola servo-croata. Acabando o contrato com o Ministério, a família mudou-se para Alexandria, no Egito, onde o pai lecionou na Universidade de Alexandria e Ute frequentou uma escola francesa. Em 1953 mudaram-se para Lahore, no Paquistão, e ela frequentou uma escola inglesa, onde concluiu o ensino médio, tendo em seguida, em 1956, voltado sozinha para a Alemanha para fazer o exame "Abitur" de conclusão daquele ensino, o que realizou em 1958. Com grandes dúvidas de qual ensino superior seguir e o que fazer de sua vida, decidiu-se pelo estudo de línguas (francês e russo), tendo concluído a faculdade em 1963. Nova grande dúvida: o que fazer da vida. Primeiramente, trabalhou numa organização que se propunha a melhorar as relações da Alemanha com a França, ainda naquela época considerada inimiga devido às guerras havidas entre os dois países. Em seguida, trabalhou na Ford alemã como secretária bilíngue (alemão-inglês). Em 1965, com a visita do Presidente Kennedy, o governo alemão criou um serviço de voluntários (Deutscher Entwicklungsdienst) e devido a isso ela se inscreveu para fazer um trabalho em um país "subdesenvolvido", e foi enviada para Londrina, no Paraná.

Em Londrina, ela integrou um grupo de voluntários alemães, que trabalhavam numa favela. Uma moça trabalhava como enfermeira, e três rapazes trabalhavam em construções. Seu chefe definiu-a como cozinheira, mas ela preferia cuidar de crianças, e com isso virou educadora. Essa experiência na favela foi fundamental para sua vida, pois revelou-lhe sua missão. Depois de dois anos, voltou para a Alemanha e fez, durante um ano, o seminário Waldorf em Stuttgart, sempre com a ideia de voltar para o Brasil. Tendo concluído o seminário em 1969, candidatou-se a uma vaga de professora na única escola Waldorf no Brasil, a então Escola Higienópolis (posteriormente Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo). Como não havia essa vaga, ela aceitou um convite para lecionar alemão e inglês na escola Waldorf de Paris. No dia em que entrou nessa escola, encontrou a Sra. Brigitte Hamann, que era professora na Escola Higienópolis e lhe deu a notícia de que tinha sido aceita nessa última. No entanto, ela não pôde aceitar esse convite pois tinha se comprometido com a escola de Paris, onde ficou durante um ano. Em 1971 ela finalmente veio para a Escola Higienópolis, tendo assumido uma classe de 3º ano, justamente quando houve separação entre classes em português e em alemão (antes, todo o ensino básico era dado nessa última língua). Ela ficou com a classe em alemão, que levou até o 8º ano. Paralelamente, ela dava aulas de alemão e de inglês para várias classes.

Como ela tinha tido contato com crianças da favela de Londrina e as de classe econômica e cultural relativamente altas na escola, ela colocou-se, já no seu segundo ano de ensino, a questão de como criar uma ponte entre essas duas realidades. Por isso, ela tomou a iniciativa de levar peças de teatro dos alunos dela para apresentar em escolas públicas. Uma outra iniciativa nesse sentido foi uma festa de dia das mães com as faxineiras da escola, e outra festa com o pessoal da manutenção, sempre com a participação de seus alunos e da alguns pais.

Um fato interessante é que, numa época durante a ditadura militar, os professores e alunos da escola eram obrigados a hastear a bandeira nacional e cantar nosso hino todas as manhãs, antes das aulas. Como ela tinha vivenciado a ditadura nazista, não sentiu-se à vontade para submeter-se a essa cerimônia obrigatória. Ela permanecia em sua classe com todos seus alunos, fazendo nesse horário trabalhos manuais para as crianças da favela. Ela dizia a seus alunos: "Nós servimos mais ao Brasil ajudando essas crianças do que hasteando bandeiras e cantando."

Em 1975, algumas crianças da favela Monte Azul bateram na porta de sua casa como pedintes. Isso motivou-a a fazer atividades conjuntas dessas crianças com seus alunos, em sua casa, atividade que manteve até 1978, tendo inclusive abrigado algumas delas. Os seus alunos, então na 7ª série, deram-se muito bem como "educadores". Como o número de crianças da favela que frequentavam sua casa aumentou bastante, ela começou a pensar em um outro local, bem como na colaboração de um adulto. Em uma ocasião, tendo levado essas crianças a assistirem uma peça natalina onde atuavam os professores da escola, o Sr. Pedro Schmidt notou as crianças e perguntou-lhe de onde elas vinham. Ute contou-lhe então de seu trabalho com elas. Ele disse: "Como posso ajudá-la nesse trabalho?" Ela retrucou: "Pagando uma pessoa em tempo integral para me ajudar com essas crianças". Ele concordou, e registrou o colaborador, um rapaz, como funcionário da indústria Giroflex, da qual era presidente. Para conseguir um local mais adequado, ela escreveu centenas de cartas para pessoas e instituições na Alemanha e no Brasil, solicitando ajuda, fazendo portanto seu próprio papel de pendinte. Quem finalmente dispôs-se a fazer uma doação de US$ 3.000 foi um advogado alemão, cujo filho de 3 anos, Johannes, tinha sido envenenado ao engulir, em seu jardim, uma pilha de uma fábrica vizinha, tendo sofrido 6 anos até falecer. Esse menino tinha pedido que a indenização que seu pai iria receber devia ser empregada com crianças pobres e animais em extinção.

Com essa doação, Ute conseguiu construir, em 1979, uma escolinha de madeira, em um terreno da Prefeitura de São Paulo, ao lado da favela Monte Azul, no local do atual Centro Cultural. Paralelamente, ela fundou em 25/1/79 a Associação Comunitária Monte Azul.

Em 1977, tendo levado sua classe até o fim do ensino fundamental, ela continuou na escola dando aulas no de línguas no ensino médio. Depois disso, dedicou-se totalmente ao trabalho na Associação Monte Azul, que se ampliou para as áreas de saúde, ecologia (foi a primeira comunidade, juntamente com uma iniciativa do bairro de Vila Madalena, a instalar a coleta seletiva em São Paulo), cultura, oficinas profissionalizantes nas áreas de marcenaria, costura, padaria, jardinagem, confecção de brinquedos educativos, informática e secretariado e produção em algumas dessas áreas visando geração de renda.

Em 1982 tornou-se membro da Sociedade Antroposófica, e em 1992 da Escola Superior de Ciência do Espírito. Em 1992, Ute foi convidada a participar da diretoria da Sociedade Antroposófica, cargo que ocupou até 1999.

No fim de 1999, tendo sofrido ameaças por parte de marginais, ela decidiu passar uma temporada no exterior, tendo trabalhado na Alemanha, na Suécia, na Inglaterra, na Espanha, na Bélgica, na Coréia, no Japão e nos Estados Unidos, dando palestras e oficinas e participando do State of World Forum, em New York. Na Bélgica, ela participou de um congresso internacional da Alliance for Childhood, que já conhecia por ter lido a respeito. Entusiasmada com a proposta desse movimento fundou em 2001, juntamente com outras pessoas, a Aliança pela Infância no Brasil, onde continua a atuar como conselheira.

Em 2001 ela criou o Fórum pela Humanização do Social, movimento que organiza encontros de entidades de atuação social, e estuda a elaboração de um currículo social para as escolas Waldorf. Esse Fórum organiza congressos que se reúnem praticamente todos os anos. Também em 2001 ela criou o grupo de estudos Pindorama, que busca uma compreensão da alma do povo brasileiro. Ainda nesse ano tornou-se membro do Conselho Parlamentar pela Cultura de Paz da Assembléia Legislativa de São Paulo.

Em 2006 foi convidada a participar do Comitê de Projetos da Fundação Mahle no Brasil, e desde 2010 na Argentina e no Chile.

Em 2008 tornou-se membro do Conselho da Federação das Escolas Waldorf no Brasil.

Em 2009 criou o grupo de estudos Mani, que se dedica e estudar o maniqueísmo e compreender o mal do ponto vista da antroposofia.

Atendendo a convites para proferir palestras e conduzir oficinas sociais, ela viajou para muitas cidades no Brasil e para vários países, como Nova Zelândia, Austrália, Japão e Europa.

Dirigiu as seguintes peças teatrais, criações coletiva dos atores: Semeando Dignidades (2004), A Criação do Mundo (2006) e Tupã Tenondê (2010).

Prêmios e honrarias

  • Bundesverdienstkreuz (Cruz do Mérito Federal) da Alemanha, 1987.

  • Prêmio Fraternidade, da Legião da Boa Vontade, Brasília (1994)

  • Nomeada Cidadã de São Paulo pela Câmara Municipal (2010)

Livros publicados

  • Favelakinder (1982) e Favela Monte Azul (1986), editados pela Verlag Freies Geistesleben, Stuttgart.

  • Sunflower/Sonnenblume/Girassol (1995), um livro infantil publicado em Tóquio, contendo versões em japonês, inglês, alemão e português.

  • A Questão Social (1988), , publicado pela Edições Monte Azul, São Paulo.

  • Crianças entre luz e sombra (1993), idem.

  • Folia de Reis (2006), idem.

  • Peregrino (2006), idem.

  • Transformar é possível (em co-autoria com vários autores), (2008), publicado pela Editora Perópolis, São Paulo.