CENTENÁRIO DA AGRICULTURA BIODINÂMICA:
PENTECOSTES E O CURSO AGRÍCOLA
por Ronaldo Lempek
PENTECOSTES E O CURSO AGRÍCOLA
por Ronaldo Lempek
E como se aproxima uma era que será novamente uma era de maior espiritualidade, devemos começar a desenvolver o que não desenvolvemos em nosso atual estado de entorpecimento. Mas acima de tudo será necessário que o conhecimento, a intuição, a experiência do espírito, que pode ser obtida através da iniciação contemporânea, encontrem a estima e a reverência conquistadas pela liberdade. Sem apreciação, sem reverência e verdadeiro conhecimento, uma vida espiritual realmente não é possível. Fazemos um uso correto dessas temporadas festivas quando as empregamos para desenvolver e, em certa medida, implantar em nossas almas esse sentimento de apreciação e reverência pelo que é espiritual que evoluiu no curso da história humana; quando nos esforçamos para aprender o mais intimamente possível como e por que eventos históricos externos apontam para fatos espirituais e transportam o que é espiritual de uma era para outra.
Rudolf Steiner, palestra de 22 de abril de 1924 (GA 233a)
Por que em Pentecostes?
Desde o primeiro momento em que ouvi, na década de 1990, que o Curso Agrícola que Rudolf Steiner ministrara em Koberwitz, em Junho de 1924, aos agricultores, tinha tido lugar na época de Pentecostes, a questão acima despertou em mim. Quando morei nas comunidades Camphill, o Pentecostes sempre foi celebrado como a festa da chegada do Espírito Santo, principalmente pelo caráter cosmopolita desta festa, na qual costumávamos ler a abertura do Evangelho de João em diferentes línguas (uma vez eram 12), além de cantar canções em vários idiomas. Já tinha tido interesse na forma como é decidida a data de Pentecostes dentro do ano. Esta é uma tentativa de lançar alguma luz sobre o assunto, organizada a partir de diversas fontes. Espero com isso interessar outras pessoas pelo assunto que continuem a busca e ampliem nossa abordagem às intenções e tarefas de Rudolf Steiner.
Pentecostes no calendário do ano
Pentecostes está entre as festas que acontecem em nosso calendário. No Concílio de Nicéia (325 d.C.) foi estabelecido que a Páscoa fosse celebrada no domingo seguinte a ou na primeira lua cheia após o equinócio da primavera. A partir deste marco são definidas as demais festas móveis do Calendário Cristão: Carnaval, Quaresma, Domingo de Ramos, Semana Santa e Páscoa, Ascensão e Pentecostes. Estas festas estão ligadas a um evento no cosmos, e não a um evento na Terra: a interação da Terra com a lua cheia. Portanto, Pentecostes se relaciona com fenômenos do cosmos. A atividade agrícola está totalmente ligada ao cosmos. A planta se coloca na terra completamente exposta a tudo que chega até ela do cosmos próximo e distante.
Pentecostes, ano 33
Cristo ressignifica duas comemorações. O evento, agora em Pentecostes, da chegada do Espírito Santo, situa-se na antiga festa das primícias, Shavuot1 . É a celebração daquilo que cada ser humano pode revelar de si mesmo como luz, como sua própria chama, como sua própria colheita, agora dentro de si. A luz que cada um de nós pode ver manifestada no outro diante dele, nesse sentido torna-se uma celebração da comunidade humana, onde posso ver a luz que irradia do outro, e posso me desenvolver, mas não consigo ver minha própria luz. É a oportunidade agora, a partir do impulso dado por Cristo, para cada ser humano oferecer as suas primícias, na sua relação individual no mundo do espírito. Em seu livro Ascensão e Pentecostes, Peter Selg comenta: Rudolf Steiner descreveu o Pentecostes como a consumação do Mistério do Gólgota. Sobre Ascensão e Pentecostes, ele disse em uma palestra: 'Na história da evolução da humanidade, as duas imagens sucedem-se de tal forma que a Ascensão nos diz: para o corpo físico e para o corpo etérico, o acontecimento do Gólgota foi consumado no sentido de incluir todos os seres humanos. O indivíduo tem que tornar este evento proveitoso para si, recebendo o Espírito Santo. Desta forma, o Impulso Crístico torna-se individual para cada ser humano.’ Em sua palestra de 15 de maio de 1910, proferida em Hamburgo, Steiner descreveu o Pentecostes como a festa da individualidade livre e falou do “espírito do desenvolvimento do ser humano livre” e de uma “festa do futuro” daqueles “que sabem e reconhecem e - permeado por ela - buscam a liberdade", como ele descreveu em outra passagem. É o Impulso Crístico da liberdade, do Espírito Santo individualizado, que já havia sido discutido na Quinta-feira Santa: ‘E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará’.
Koberwitz
O enorme empreendimento açucareiro representado pelas propriedades do pai da condessa Johanna von Keyserlingk era o que tinha de mais avançado da agricultura moderna no início do século XX, com 120 mil hectares ocupados exclusivamente na produção de beterraba, manejada convencionalmente com vistas à alta produtividade. O Conde Keyserlingk era o responsável pela gestão das atividades de campo desta produção. A condessa era amiga de Steiner e foi através da insistência dela que o conde convenceu o sogro de que ele e a esposa deveriam viver na mansão de Koberwitz. Isso permitiu que ali se realizasse o curso agrícola: a nova agricultura que traria a cura para a loucura humana representada em Koberwitz, e que precisava chegar à Terra no próprio coração da doença, como o remédio que vem dar ao paciente um novo destino. Era uma necessidade espiritual, algo que precisava acontecer no planeta – não era um curso que pudesse acontecer em qualquer outro lugar que abrigasse aqueles participantes.
Sob a bênção do Espírito Santo
O curso ministrado por Rudolf Steiner na mansão Koberwitz começou no sábado, 7 de junho de 1924, véspera de Pentecostes. Mais de cem participantes entraram na mansão por uma pequena porta lateral acima da qual estavam gravadas as letras PSSR, que significa Per Spiritum Sanctum Reviviscimus. O Espírito da Verdade recebeu aqueles que estavam destinados a receber o impulso da agricultura da verdade, que se coloca ante a agricultura da ilusão.
Há sete mil anos, na antiga Pérsia, Zaratustra, fundador daquela cultura, anunciou que o Espírito Solar, então chamado de Ahura Mazdao, um dia se uniria à terra. Com isso, inaugurou o mito do Messias, que um dia chegaria. Esta união começou com a introdução da prática agrícola. Cortar a terra com um arado para que os raios do sol pudessem entrar nela, deu início ao caminho percorrido pelo Deus Solar para consumar esta união no ano 33 da nossa era. Desde o início, a relação entre o ser humano e a terra através da atividade agrícola teve um aspecto sagrado, impulsionado pelos Mistérios que nortearam o caminho da humanidade.
A indicação de Jeová ao povo judeu para a já mencionada celebração de Shavuot é uma confirmação deste caráter sagrado e espiritual da atividade da produção de alimentos. Celebrar o Pentecostes frequentando o templo como parte de um calendário agrícola levava à conscientização da sacralidade dos alimentos.
No Mistério do Gólgota, no ano 33, o planeta recebeu a comunhão do corpo físico de Jesus, e o Filho unido ao reino etérico da Terra na quinta-feira da Ascensão, passou a viver entre nós, na esfera da vida, na obra criada pelo Deus Pai com a participação das hierarquias — o planeta. Com o impulso de Pentecostes, renovado em Koberwitz, 1924, por Rudolf Steiner ao trazer a forma biodinâmica de fazer agricultura, a Trindade Divina – Pai, Filho e Espírito Santo – pode unir-se com e na Terra. É um impulso de renovação apoiado por claras forças primaveris, auxiliadas por todos aqueles seres humanos que, a cada ação biodinâmica, ajudam a criar um espaço no planeta onde o espírito esteja ativo em direção ao futuro da Terra e dos seres humanos, a sua vontade conduzindo à ação que pode ser expressa em todas as línguas que o Espírito Santo lhes permite expressar.
Bibliografia:
• A Bíblia
• Halle, Judith von: And if He Has Not Been Raised....Temple Lodge 2007.
• Keyserlingk, Adalbert von: The Birth of a New Agriculture. Koberwitz 1924. Temple Lodge 1999.
• Keyserlingk, Johanna von: Twelve Days with Rudolf Steiner. Revised new edition. Incluída acima.
• Klett, Manfred: Princípios dos Preparados Biodinâmicos de Aspersão e de Composto. ABD 2012. ABDSul, Ed. Insular, 2023.
• Selg, Peter: Ascensão e Pentecostes, Editora Antroposófica. 2022.
• Selg, Peter: Koberwitz, Pentecostes 1924 Rudolf Steiner e o Curso de Agricultura. Ed. Insular – ABDSul 2016.
• Steiner, Rudolf: GA 233a, 22.4.1924.
• Imagens: Acervo pessoal
• Wikipedia:https://pt.wikipedia.org/wiki/Shavuot
Sobre o autor deste artigo
Ronaldo Lempek conheceu a antroposofia e a agricultura biodinâmica em 1978/79. Esteve ativo em diversas instituições antroposóficas; hoje é tradutor, mora em Florianópolis; está envolvido em estudos da biografia humana e outras atividades antroposóficas e é leitor da Classe.