ENTREVISTA COM DIRETORIAS DA SOCIEDADE
por Samir T., Leda M., Marina B. e Sonia T.
por Samir T., Leda M., Marina B. e Sonia T.
Pergunta 1 – para todos: Como você conheceu a antroposofia? Qual é a sua trajetória em antroposofia até aqui?
Samir Trad: Conheci a antroposofia quando era casado com a minha primeira esposa, porque ela fazia parte do EcoSocial. Durante uma transição de carreira, fiz o cursos na Adigo, em 2002. Sou engenheiro, mas em pouco tempo me vi fazendo o que hoje é chamado coaching. Fui me aproximando, me interessando pelo conteúdo da antroposofia. Na época tive contato com o Rodrigo Ventre, do Instituto Economia Viva – então, Vitadenarium – e me identifiquei com o trabalho dele e em pouco tempo estávamos trabalhando juntos. Também fiz algumas formações do EcoSocial. Em 2011 eu já trabalhava fazendo coaching financeiro segundo a ótica da antroposofia. Em 2014 quis me aproximar da Sociedade Antroposófica, me tornei membro e fiz trabalho voluntário. A dedicação à Sociedade Antroposófica acabou sendo bem intensa, a ponto de do último um ano e meio eu só trabalhar como voluntário da Sociedade, como Diretor Financeiro nessa segunda gestão. Fiz certas transformações
Marina Bresslau: conheci a antroposofia quando o meu filho tinha dois anos e fui procurar um jardim da infância. O Jardim Colibrifoiumverdadeiroapoio,poisfuipegade surpresa pela maternidade. Minha primeira formação é em administração de empresas e fui me interessando por antroposofia, não só pelo desenvolvimento infantil e parentalidade, mas pela trimembração do organismo social, em específico pela economia. Encontrar a antroposofia foi um alívio, pois foi alimento para a continuidade do meu desenvolvimento e estudos. Fez todo sentido me tornar membro e me envolvi com a Seção de Ciências Sociais, em especial com o Centenário da Trimembração do Organismo Social, em 2019. Na época eu já estava na graduação em pedagogia, na Faculdade Rudolf Steiner, a minha segunda formação.
Leda Meirelles: Foi na adolescência. Tenho alergia a medicamentos e por conta disso a minha família, que já conhecia a medicina antroposófica, me levou para a Clínica Tobias. Mas ainda a antroposofia era muito distante. Quando chegou a hora da minha filha entrar no jardim de infância não queria uma pedagogia tradicional. E no que a minha filha entrou na escola Waldorf me matriculei junto[risos]. Comeceiaestudarantroposofia. Eu tinha outra carreira, de engenheira. Conforme a minha filha estudava, eu fiz a escola de pais, fiz vários biográficos. Eu queria um autodesenvolvimento, uma evolução espiritual. Começou a ser muito incongruente os meus valores com o que eu fazia. Pensei numa transição de carreira e dos 41 para os 42 anos vendi minha empresa e me matriculei na primeira turma em pedagogia da Faculdade Rudolf Steiner. Simultaneamente fiz formação em agricultura biodinâmica. Sinto o quanto eu me transformei. Ao perceber que a antroposofia estava me rodeando de todas as formas decidi ser membro da Sociedade Antroposófica, porque recebi tanto da antroposofia que eu precisava retribuir de alguma forma.
Sonia Teixeira: Conheci a antroposofia porque ainda não tinha acertado um pediatra para o meu filho, e uma amiga indicou a Clínica Tobias. Aquilo foi tão diferente de tudo o que eu conhecia. Um diferente que fez todo o sentido. Comecei a ler livros de antroposofia e assim foi. Eu trabalhava em uma secretaria de estado, era funcionária concursada, mas como trabalho aquilo não me preenchia totalmente. E sentia que a antroposofia era algo que sempre busquei, e que de repente tinha aquele nome e aquele lugar. Alguns anos depois eu pedi demissão, fui trabalhar com ONGs, e comecei a levar tudo o que eu conseguia perceber como valores e ética para onde eu estava, com a família, no trabalho. Mas não estava próxima à Sociedade Antroposófica, até participava de algumas atividades, mas era algo pontual. Quando me aposentei em 2013, decidi que iria cuidar e ir atrás dos meus projetos. E de repente me aproximei de novo da antroposofia, mas de forma muito mais engajada. Em 2017 eu me tornei membro e em 2019 entrei para a Escola Superior. E a proposta era, e é, levar a antroposofia para qualquer lugar onde eu esteja.
Marina Bresslau, esteve à frente da Diretoria Social e de Comunicação em 2023 e 2024
Pergunta 2 – para Marina e Samir: Como foi receber o convite para a Diretoria Social e de Comunicação? E para a Financeira? Como estava a Sociedade Antroposófica quando receberam o convite?
Marina: Eu estava bastante afastada da Sociedade Antroposófica quando recebi o convite. Na semana seguinte já assumi o cargo. Quando cheguei, algumas pessoas que eu conhecia, estavam de saída – o [Alexandre] Rabboni, o Derblai [Sebben], e depois a Ute [Craemer] e a Sonia Setzer. Também a Renata [Pereira], mudava de função aqui… E, na Direção, estavam pessoas com quem eu tinha pouco ou nenhum contato: o Rogério Santos, a Isabela Soares e o Sérgio [Gallo]. Outra característica foi que a Editora [Antroposófica] estava de mudança para dentro deste prédio. Para complementar, eu cheguei no ano do centenário do Congresso de Natal. Possuía pouco conhecimento sobre o tema, que é algo muito profundo, no qual se pensa e repensa de que forma queremos atuar no mundo.
Samir: Recebi o convite para ser o diretor financeiro em 2018, logo após o período de transição. Eu já vinha trabalhando a economia com o plano de fundo da antroposofia em um grupo de estudos. Existia, naquele momento, o desafio de recuperar a confiabilidade dos membros. Ao longo do tempo vivi alguns períodos de grande transformação que considero importantes. Aquela ideia de levantar véus... A pergunta que surgiu na época era como compreender a Sociedade Antroposófica que, até então, era vista como uma única entidade, mas que na verdade são duas: a Sociedade Antroposófica em si e o Espaço Cultural Rudolf Steiner. Começamos a buscar uma forma de separar isso, inclusive financeiramente, destacando o que era essencial da atividade da Sociedade, dos eventos que ocorriam.
Pergunta 3 – para Leda e Sonia: Como foi receber o convite para as diretorias financeira? E para a social e de comunicação? Como você encontra a sociedade antroposófica nesse momento?
Leda: Quando chegou o convite, em janeiro de 2024, para a Diretoria Financeira foi a oportunidade de devolver efetivamente o que eu havia recebido da antroposofia. Existem grandes desafios, passivos financeiros, passivos jurídicos. Estamos no momento de retomar a confiança dos membros na gestão e na forma de lidar com o dinheiro. Existe uma crise instaurada, e eu concordo que há um ponto muito positivo, porque eu encontro uma equipe muito unida. Tanto uma equipe de funcionários responsáveis e comprometidos, quanto da Diretoria. Isso me conforta muito. A união faz a força, e eu me senti muito apoiada por todos. Existe muito por fazer. Acho que estamos nos reorganizando. E chego com algumas perguntas: o que é ser membro da Sociedade Antroposófica? Estamos comprometidos com a antroposofia, ou somente com os nossos anseios pessoais? Como contribuir para que esse corpo físico, a estrutura física da Sociedade Antroposófica, tenha saúde financeira e sobreviva?
Sonia: Eu estava participando e coordenando grupos de estudos. E veio o convite, não era algo que eu esperava... estava no meu décimo setênio... Mas, desafio é algo que me atrai muito! Já me acostumando com a ideia, aceitei como um desafio de levar a antroposofia em todos os lugares. Entrei para a Direção Social e de Comunicação em dezembro de 2023, e já me coloquei a serviço, no movimento a ser feito para já, e o “já” era o lançamento do Periódico. Foi uma experiência muito gostosa, de conhecer a equipe trabalhando junto. Senti essa sensação de acolhimento, de apoio. E algo desse espírito transformador, de algo que está se instaurando, de transformação, de abertura.
Sonia Teixeira, assumiu a Diretoria Social e de Comunicação em maio de 2024
Pergunta 4 – para Marina e Samir: Quais os desafios que vocês encontraram nas suas diretorias e o que desejam para o futuro?
Marina: Logo que cheguei já havia o lançamento do site provisório da Sociedade – um trabalho realizado pelo Rogério [Santos] e pela Isabela [Soares] e que precisava ser bem comunicado. Também peguei um momento pós-pandemia [da COVID19], onde a Sociedade precisou migrar para o online. Aprofundei o olhar para como é que comunicamos hoje em dia. O uso das mídias sociais era muito precário, existia até uma resistência. Busquei utilizar mais as mídias sociais, que é por onde as pessoas se informam hoje, mas com consciência, sabendo dos seus riscos. E, também, ampliar a consciência de que comunicação queremos. Minha primeira pergunta foi: Como é que eu me posiciono? Qual é a identidade da Sociedade Antroposófica que vai nortear a comunicação? Isto ainda carece ser respondido para que possa não somente orientar a comunicação, mas todas as áreas, e permitir uma continuidade. Também sentia que tanta coisa estava acontecendo e a gente não estava sendo capaz de comunicar, as mudanças, as obras, melhorias que estavam sendo feitas... Tivemos algumas trocas de equipe, mas também, a contribuição voluntária de pessoas como a Luciana Miquelini e mais tarde a Laila [Morais], integrando a equipe de comunicação. Retomamos o Periódico, um importante veículo da Sociedade. Demandou bastante, mas ao mesmo tempo foi algo fluido, criativo e agradável. Foi em julho de 2023 que senti que eu estava desviando do meu caminho, a pedagogia, e pedi aos Secretários para buscarem um novo nome. Uma das coisas que você venho trazendo é a necessidade de uma boa transição – onde a pessoa que venha a assumir, possa se preparar para ocupar esse cargo e abrir espaço na sua vida. Ter tempo para chegar e se localizar. Ter apoio e apoiar. E a questão da continuidade do que está sendo feito... Foi, então, que no final do ano a Sonia Teixeira chegou e logo de cara já pôs a mão na massa. Eu trago, também, essa pergunta sobre o voluntariado... Eu cheguei para uma diretoria chamada Social e de Comunicação, e essas duas são muito importantes. Mal dei conta da comunicação, o social foi simplesmente tocado. É preciso ter alguém olhando para essa vida social e para a saúde nas relações na Sociedade… É muita tarefa para uma pessoa só. Ao mesmo tempo em que ambas caminham juntas, pois são transversais e são tanto internas quanto na relação com o exterior. Eu desejo que a Sociedade possa, de forma saudável, cumprir a sua missão, a sua tarefa. Também gostaria que se tivesse essa questão da identidade mais clara, permeando tudo o que é feito. Há muito o que fazer e desejos são muitos, a equipe sabe. Enfim… que a gente esteja próximo do nosso público, a quem a gente serve e, também, que os membros se sentissem parte desse organismo - que tanto o Social quanto a Comunicação estivessem a serviço disso.
Samir: Vivi um momento intenso e com grande significado – foi quando a ABT [Associação Beneficente Tobias] nos procurou com o pedido de um empréstimo, algo antigo. O pedido foi levado e votado em assembleia, e trouxe à tona essa conversa sobre o que era mais essencial, pois a ABT apoiou diversas iniciativas, que partiram com apoio da ABT, e de repente ela era atacada. Veio junto com a questão da sede, essa casa aqui, que é emprestada [contrato de comodato com a ABT]. E com isso, o impasse sobre reformas, benfeitorias... Mais tarde, nas conversas da Direção surgiu que, independentemente de quem é o dono da casa, nós, como usuários, tínhamos o dever moral de mantê-la funcionando, organizada. Foram realizadas obras ao longo de 2023. A gestão do [Rodrigo] Bergami veio para buscar esclarecimentos, de estruturação, de concepções. E na do Sérgio [Gallo] eu percebi uma enorme mudança, uma aceleração das atividades, um vigor de poder envolver, de trazer a conversa, os órgãos, as seções, enfim. Também a Editora veio para dentro da Sociedade. Mas, de tudo, eu diria que o maior desafio é o interesse pelo financeiro. Quando entrei esse era um assunto que pouco interessava. Existia a ideia de que o assunto do dinheiro é muito terreno e de que a essência da Sociedade Antroposófica é mais espiritual. Hoje vejo que é possível tratar espiritualmente as finanças. Outra dificuldade foi compartilhar o orçamento com as áreas, porque não havia um espaço definido para isso. Vejo com bons olhos que hoje falamos sobre tudo isso de uma maneira mais madura, envolvente e interessada. A gestão do Sérgio [Gallo] ajudou nesse sentido. E, claro, a crise que nós vivemos hoje, com o consumo de recursos que nós tínhamos também. Nesse meio tempo, teve também a atualização do nosso estatuto, inclusive colocando a menção de que o orçamento seja aprovado no ano anterior. Saio, no momento, com um sentimento misto, de que muita coisa aconteceu. Tem duas coisas aqui que eu gostaria que tivessem sido diferentes: a não quitação do empréstimo da ABT e o que nós vivemos em 2023 em termos de resultado financeiro. No entanto, a consciência que isso trouxe e o envolvimento que gerou é algo que eu celebro. O que eu gostaria que ficasse é olhar e o cuidado com as finanças. Vejo que a Leda [Meirelles] tem isso. Porque, no fundo, o financeiro é uma expressão daquilo que se passa dentro da Sociedade Antroposófica, e de qualquer organismo. Eu acho que isso poderia ser muito bem aproveitado a partir das lições que aprendemos e estamos aprendendo. Em tempos de muita polarização fui favorável à ideia de criar um fórum de conversa, um espaço onde se pudesse ouvir, porque na verdade todos estão certos a partir do seus pontos de vista. Essas conversas não aconteceram da maneira como eu pensei. Mas há algo parecido agora, na hora que a gente está tendo essas conversas mais intensas, essas cobranças, as assembleias desafiadoras. E precisaria ser cultivado, dar continuidade a esse espaço de escuta e de troca. E tem que haver essa predisposição da colaboração. Então, gostaria que houvesse mais conversa, pois entendo que a conversa é o caminho do entendimento. E a conversa é: eu adormeço o meu ego para que, ao ouvir o outro, para que eu possa aprender algo sobre aquilo que está fora de mim. Algo que é legítimo, verdadeiro, fonte de luz. O desafio é como fazer isso de maneira salutar, mas tenho certeza de que é o caminho.
Pergunta 5 – para Leda e Sonia: qual tarefa vocês entendem que deve ser feita neste momento a partir de suas funções?
Leda: O que eu pretendo fazer, e de certa forma já estou fazendo, é me envolver – conhecendo qual é a situação, quem são as pessoas, as demandas. Eu pude aferir que posso contribuir na revisão de fluxos dos processos. Quero trazer a transparência da gestão financeira e da situação financeira da
Sociedade, quero expô-la fazendo com que os membros estejam cientes da situação. Para podermos, em conjunto, construir algo saudável. E, como ideal, seria a união do propósito espiritual da Sociedade com o material. Que resulte na materialização do espiritual. Essa é a cereja do bolo. Que eu possa contribuir com os meus colegas na construção de uma comunidade, de uma sociedade de fato, na qual seções, Primeira Classe, membros, movimento antroposófico, todos sejamos partes e nos enxerguemos como um único organismo.
Sonia: Acredito na comunicação como algo transversal, que perpassa os encontros humanos. E a Sociedade é um lugar de encontro, de escuta, de parcerias. Vejo a minha ação no impulso de cuidar e de ser ponte, de facilitar os fluxos, de vivificar as relações entre os membros da Sociedade, e de aprofundar a parte de fundamentação e de escolha de caminhos e da escuta. Devemos ouvir muito. Uma comunicação que escute, não só uma comunicação que fale. De sermos um canal, uma ponte para coisas se viabilizarem e que julgamos importante. E o desejo de construir para além das diferenças individuais. Esse é o meu olhar. De ouvir o que as pessoas do passado construíram, de olhar com reverência para o trabalho realizado, de ter continuidade. Que algo permaneça para além das pessoas que ocupam, hoje, aquele lugar.
Leda Meirelles, atual diretora financeira da
Sociedade Antroposófica no Brasil
Pergunta 6 – para todos: para finalizar, uma frase, pensamento ou palavra de cada um.
Samir: Eu posso dizer que o bom diálogo dá trabalho, consome bastante tempo, traz atrito, calor, faísca, rebarbas. Exige muita paciência e presença. É um crescimento, uma expansão na direção da espiritualidade. Por outro lado, o isolamento é fácil, fecha, acomoda, isola, protege. O meu pensamento é o de que possamos vencer a tendência do comodismo. De que a gente se arrisque com o bom diálogo. Porque o ganho é um ganho comunitário, é um ganho nosso.
Marina: Uma frase muito importante para mim é: como o meu trabalho pode estar a serviço do outro? Acho que a Sociedade Antroposófica está neste lugar. Eu gostaria muito que os membros assim se identificassem. Como na lei social principal como meu trabalho atende aos demais, e que eu possa ser atendido pela atuação dos demais; e, com isso, formar saúde social. Uma fraternidade econômica,para que haja liberdade no espiritual e para que o econômico possa novamente ser nutrido pelo espiritual.
Leda: Eu escrevi a frase: “O ser antroposofia está além das pessoas que atuam como membros, voluntários da direção e secretários. Nós devemos deixar nossos egos, nossas diferenças e, sim, nos colocarmos a serviço de Micael”.
Sonia: Vou ler uma frase de Rudolf Steiner, porque ela é um mantra para mim. Está no livro Conhecimento dos Mundos Superiores, e diz: “Não importa que eu sustente algo diferente do que o outro sustenta, mas, sim, que o outro encontre o verdadeiro a partir de si próprio, se para isso eu contribuir”. É essa a ideia.