AS OPORTUNIDADES DIÁRIAS DE DAR VIDA À TRIMEMBRAÇÃO DO ORGANISMO SOCIAL
por Rodrigo Bergami
por Rodrigo Bergami
Para começarmos, vamos explorar um pouco o que significa trimembração do organismo social. Rudolf Steiner nos convidou a olharmos os fenômenos sociais que estão presentes em nossa vida cotidiana. Através dessa observação, podemos perceber os fluxos que se manifestam diante de nossas vidas nos grupos, organizações e no estado.
Ao propor esse olhar fenomenológico, Steiner pôde expressar que a vida social, quando olhada por essa ótica, é regida por três grandes impulsos, fluxos ou, como também podem ser descritas, estruturas.
Esses fluxos, como prefiro reconhecê-los, são os dos âmbitos: cultural, político-jurídico e econômico.
Vou procurar fazer uma breve explicação sobre os três âmbitos para que possamos ter uma compreensão mínima do que se procura evidenciar quando se busca aprimorar a sensibilidade e reconhecer esses movimentos no organismo social.
No âmbito cultural está presente tudo o que permite ao ser humano criar, aprimorar-se como ser, amadurecendo a sua jornada de tornar-se livre. Podemos ver isso em organizações.
A nossa vida cotidiana nos convida ao encontro. Atualmente vivemos em grandes cidades e levamos nossa vida cotidiana em diversos agrupamentos e coletivos. Começamos pela nossa família, parentes, o prédio onde moramos, os vizinhos que nos cercam, as pessoas que estão em nosso entorno e nos impactam direta ou indiretamente. Participamos de associações de bairro, frequentamos espaços educacionais ou de aprendizado para nós ou nossos filhos e filhas, e locais onde fazemos atividades diversas, podendo ser uma academia ou uma associação beneficente, e, principalmente, onde trabalhamos.
Em todos esses espaços sociais somos convidados ao encontro, a nos defrontarmos com o outro que nos traz suas perspectivas e pontos de vista. Este movimento normalmente nos permite ampliar nossas possibilidades e nos convida a olhar o mundo por outras perspectivas. Neste sentido, quanto mais diverso e plural for nosso convívio, mais poderemos nos desenvolver diante dos cenários e possibilidades distintas que se apresentarão para que o encaminhamento sobre um mesmo tema seja dado.
Aqui, diante desse desafio social, onde as pessoas com suas histórias de vida distintas pensam e vivem situações similares de forma distinta, parece-nos viver a grande riqueza do momento atual da humanidade. De fato, precisamos conseguir tolerar e respeitar a outra pessoa, suspender nosso senso crítico e força julgadora que muitas vezes nos mantém aprisionados em perspectivas limitadas. Precisamos nos abrir curiosamente para compreender o que a outra pessoa está nos oferecendo como riqueza, à luz da sua biografia, da sua trajetória, de sua perspectiva.
Aqui parece que surge uma oportunidade para todas as pessoas de mitigar o determinismo que vive em nós. Podemos nutrir sementes que germinam um futuro diferente quando consigo reconhecer que, diante de um desafio ou impasse, o meu grande paradoxo – agora que visões distintas surgiram – passa por compor uma terceira possibilidade, nascendo ou criando-se uma nova solução.
Criar uma nova possibilidade não quer dizer o meio do caminho, mas uma terceira via que unilateralmente não seria possível darmos vida. Essa nova perspectiva só se fez possível em decorrência do encontro entre as duas ou mais partes, do conflito, das polaridades que se reconheceram e não permitiram tornarem-se polarização, onde uma parte queria vencer a outra.
Em vez disso, foi dada a oportunidade de escuta ativa, de compreensão das qualidades e necessidades de ambas, do que estava sendo compartilhado. De forma genuína, procurou-se acolher. Nesse gesto de disposição de aprendizado, uma nova criação se torna possível, agora não mais com propriedade individual, mas com propriedade coletiva e colaborativa.
Nesse momento surge o “aha!” a “eureca” da criação do Ser Humano, citado até em passagem bíblica: “Onde dois ou mais estiverem em meu nome, ali eu me farei presente…”. Nessa passagem podemos ver o convite explícito da força do encontro com qualidades colaborativas. Pessoas que se reconheçam humanamente como iguais, onde os papéis de poder não sobreponham o valor e qualidade humana. Onde as palavras não sejam distribuídas pelos cargos ou pela força política de uma pessoa em detrimento da outra, mas que os espaços decisórios se abram verdadeiramente para escutar ativamente, compreender e integrar em processos decisórios. Onde as pessoas não precisem fazer força para serem ouvidas e nem sintam a necessidade de fazer força para resguardar suas posições sociais, prejudicando ou impedindo que outras pessoas participem dos processos de forma íntegra e equivalente.
De tudo que tenho vivenciado ao longo desses muitos anos de observação e estudos da trimembração do organismo social, percebo a sua relevância para que possamos de fato viver em um ambiente mais saudável, mais equilibrado, mais colaborativo, humano e provedor do desenvolvimento dos indivíduos, grupos e organizações que fazemos parte como humanidade.
O grande impeditivo que tem atrapalhado esse nosso processo é a vaidade, o egoísmo ensimesmado ou egotismo. Isso leva as pessoas a terem uma percepção de mundo antiquada, voltada somente para um processo de conquista individual. Esquecem que a qualidade de vida do indivíduo perpassa a qualidade de vida das demais pessoas e da sociedade em que este está inserido.
Não basta uma pessoa com boas ideias em meio a muitas pessoas que somente executam as ideias dessa “mente brilhante”. Em breve, pela falta de estímulo, trocas e desafios, essa pessoa que se diz com a “mente brilhante” estará limitada pela falta de contribuições externas das outras pessoas que a cercam e se tornará tão limitada e medíocre quanto as outras mentes que antes somente lhe serviam. Precisamos estimular que as pessoas brilhem e possam com seu brilho compor um cenário reluzente. Isso necessariamente deve se fazer no dia a dia; não podemos esperar momentos especiais. O cotidiano nos oferece oportunidades esplêndidas de evolução, desenvolvimento e amadurecimento, se estivermos com os processos decisórios voltados para esse sentido.
Vivemos em rede, social e neural; influenciamos e somos influenciados. Somos a média das pessoas que nos cercam. Nesse sentido, ter pessoas que nos desafiam e contribuem conosco é um sinal de sabedoria para continuarmos ávidos pelo saber e por aprender.
Para isso, precisamos cotidianamente criar espaços de tomadas de decisões onde essas práticas se estabeleçam naturalmente. Onde todas as pessoas saibam que possuem valores e responsabilidades no processo criativo, na sugestão e construção de ideias. Que as pessoas compreendam que, além do que elas estão trazendo, elas precisam contemplar e considerar a diversidade que os outros trazem e encontrar caminhos de integração dessas ideias divergentes. Essas ideias poderão promover a criação do novo e, com essa consciência da sua força de criação, pautada em um fluxo de tomada de decisão colaborativo e integrativo, as pessoas possam se apropriar do resultado que foi gerado por elas.
Se conseguirmos reconhecer os nossos impulsos egoístas restritos, egotistas, e nos abrirmos para um caminho mais integrado e colaborativo nos pequenos grupos que vivenciamos, reconhecendo que nossa capacidade de criação é muito maior quando nos dispomos a colaborar; se desenvolvermos processos decisórios onde essa prática possa se efetivar, e as vozes se façam distribuídas em segurança; onde as posições de poder, político e econômico, não tenham prevalência, mas a capacidade humana seja reconhecida como fortaleza para que as percepções e possibilidades sejam consideradas como o mais nobre no processo de criação; onde um processo inclusivo e colaborativo levará as pessoas para um nível de comprometimento completo na realização do que foi combinado.
Nesse sentido, estaremos tomando consciência e plantando as sementes de uma sociedade mais equilibrada e próspera.
Não precisamos dar aulas, fazer grandes transformações externas. Precisamos mudar por dentro, a começar por nós e depois propor aos pequenos grupos que convivemos que essas práticas se estabeleçam de forma efetiva.
Diante de um problema, devemos entender quais as pessoas que são ou serão impactadas com a questão e seus encaminhamentos. Abrir espaço para que essas pessoas possam se colocar no entendimento do contexto e na construção de possíveis soluções. Envolver essas pessoas na compreensão dos critérios que precisarão ser utilizados para uma tomada de decisão no curto, médio e longo prazos. Com isso tudo sincronizado e integrado, traçar os encaminhamentos para as ações que construirão o futuro que se quer. Este futuro deve ser bom o suficiente para o momento atual, onde todas as pessoas envolvidas possam compreender os motivos que levaram a tais encaminhamentos e como elas se reconhecem naquelas escolhas.
Essa vivência consciente, sendo escolhida e propiciada para ser percorrida dessa forma, nada mais é do que a vivência prática da trimembração do organismo social.
Estejamos atentos, nos percebamos diante dos processos decisórios em nosso cotidiano. Observemos o quanto esses processos estão sendo integrativos, colaborativos e permitindo que os outros participem de forma efetiva e integral. Vejamos o que precisa e pode ser mudado nos diversos agrupamentos que estamos inseridos.
Não esperemos uma mudança governamental, nem da ordem mundial, porque elas não virão. Precisamos agir a partir de nós mesmos, utilizando nossos palcos de atuação e desenvolvimento para nutrir os elementos que foram explorados neste texto.
Não deixemos para os outros o que nós podemos fazer para semear uma sociedade mais madura e desenvolvida, com consciência trimembrada.
Rodrigo Bergami é Sócio da ADIGO Desenvolvimento. Consultor Organizacional e Coach Financeiro, especialista em Governança, Gestão com autonomia e Modelo de Negócios. Construiu sua carreira executiva em empresas de grande e médio porte nacionais e internacionais, atuando desde 1999 nas áreas de Operações , Governança e Redesenho Sustentáveis de Negócios nas Lojas Renner e Cia Hering. Liderou projetos de reestruturação e reformulação em âmbito nacional. Formado em Administração de Empresas pela FECAP, com MBA em Gestão pela FGV-SP, com especialização em Conselho de Administração pela FDC. Possui também formações em coaching pela Escola de Coaching do EcoSocial, Mediação de Conflitos pelo IMO/EcoSocial, Multiplicador do Sistema B, Consultores pela ADIGO, Aprofundamento da Liderança pela ADIGO e Coaching e Consultor Econômico Financeiro pela Economia Viva.