Em uma entrevista descontraída, Derblai Sebben, Sonia Setzer e Ute Craemer, compartilharam suas biografias e seus caminhos de vida na antroposofia. Atuantes na secretaria geral desde dezembro de 2016 até 2023, eles se dedicaram de sete a oito anos como secretários gerais.
A conversa durou uma hora e foi editada para se tornar um artigo neste periódico. A adaptação reflete o ambiente descontraído e a linguagem informal presentes na conversa, incluindo alguns vícios de linguagem.
Por meio de perguntas guia, elaboradas cuidadosamente por Renata Pereira, as secretárias e secretário Ute, Sonia e Derblai narraram quais foram os seus principais impulsos, projetos e legados para a Sociedade Antroposófica; quais necessidades eles atenderam; o que foi mais desafiador neste período; como foi o trabalho em trio na Secretaria Geral e a que eles atribuem o êxito nessa configuração e convívio; o que cada um admira no outro; o que, e de que forma, eles gostariam que seus legados fossem cuidados pelos secretários-gerais atuais e membros da Sociedade Antroposófica; o que é importante que seja nutrido e que continue a ser desenvolvido; o que não foi possível realizar durante a gestão; com o que eles podem e querem continuar contribuindo na Sociedade; e, para encerrar, uma mensagem final que gostariam de passar aos leitores e futuras gestões.
Derblai Sebben: Quem é você a partir dos seus ideais e do seu caminho de vida com a antroposofia?
Ute Craemer: Então, meu nome é Ute Elsa Ludovike Craemer e o meu caminho de vida, já que você perguntou, ele é bem interessante. Eu viajei, desde a idade de três anos, que foi a primeira vez que eu entrei no avião. Foi justamente aí, que fui para outro país, que é a Áustria, depois para Iugoslávia, depois para Egito, Paquistão, e assim continuou minha vida. Eu nasci na Segunda Guerra Mundial, com isso, vi muito sofrimento quando criança. Frequentei doze escolas, em quatro línguas diferentes. Desde o começo da minha vida tinha algo assim universal, de viagens, de entrar um pouco mais na vida dessas culturas.
Derblai: E quais línguas você falou na sua infância?
Ute: O alemão né, porque sou alemã.
Sonia Setzer: De Weimar (risos).
Ute: De Weimar ainda (risos). E português, inglês e francês, e o mais inte.ressante, servo-croata, que se falava na Iugoslávia. Eu fiquei nesses países durante muitos, muitos anos. Minha vida, depois, graças a Deus, me trouxe aqui no Brasil. E aí, continuei viajando, depois de um certo tempo, por causa da minha missão de vida. Justamente nessa junção de vários países que eu visitei e vivi, e também essa procura, no sentido de vida, isso fez com que eu quisesse fazer um voluntariado. Eu acho que é o destino mesmo, que me trouxe ao Brasil. Eu fiz um voluntariado lá numa favela do Paraná, em Londrina. Aí eu gostei do Brasil, por várias razões, e queria voltar. Eu sabia que tinha uma escola Waldorf e como eu já tinha feito o seminário lá em Stuttgart, falei: “Vou querer trabalhar nessa escola Waldorf”, a escola Higienópolis, que agora é Rudolf Steiner. Demorou, mas no fim eu cheguei e peguei uma classe de terceiro até oitavo ano. Depois, também dava aulas de alemão e inglês. Junto com essas crianças, no sétimo ano, eu comecei o trabalho social, porque, justamente, eu vim por causa disso também. Eu queria, de novo, fazer um trabalho social no Brasil, dentro da Pedagogia Waldorf. Eu conheci as crianças da favela Monte Azul e a gente fez esses intercâmbios na minha casa. A partir disso, surgiu a Associação Monte Azul. Vocês tem que imaginar uma favela não do jeito que está agora mas uma favela totalmente desestruturada com muitas mortes. E a gente fazia Pedagogia Waldorf, lá no meio da favela. De um lado as crianças estavam florescendo graças a Pedagogia Waldorf, e do outro muita morte mesmo. Só aí que me tornei membro da Sociedade Antroposófica. E no fim, estou aqui. E você Derblai?
Derblai: O meu contato, assim, mais com a antroposofia, foi na faculdade. Eu sou lá do interior do Paraná, lugar pequenininho. Lá estudei, cresci, em uma família de classe média, podia estudar bem, sempre fui bem cuidado e estudava em colégios públicos. Os colégios bons naquela época eram os públicos. Quando eu entrei na faculdade, logo conheci a Regina Helena [Ribeiro], que tinha voltado do estágio com a Gudrun. Comecei a estudar antroposofia, sempre com esse viés médico. Quando eu vim para São Paulo, vim com a minha mulher e com duas filhas. Ia fazer estágio na Clínica Tobias, precisava que as minhas filhas estudassem na Steiner, mas não existia vaga nesta época. Para conseguir essa vaga eram anos na fila. E aí, a Regina Helena falou: “Conversa com a médica da escola, ela é muito boa, querida, ela vai dar um jeito”. (risos) Em 1990, 1989, por aí, a Regina Helena me deu o endereço, eu bati na porta da Sonia: “Toc, toc toc… Olha, eu sou lá do Paraná, sou médico”. Ela recebe, e a gente já conversa. Aí graças a Deus deu certo, foi fundamental! A Sonia sabe disso.
Sonia: A minha trajetória foi bem diferente da Ute. Eu nasci exatamente quatro semanas depois do fim da Segunda Guerra, de pais estrangeiros aqui no Brasil e que conheciam antroposofia. Para ver a diferença, eu fui fazer minha primeira viagem aos 25 anos e sempre, ou quase sempre, que eu viajei para o exterior, nas primeiras vezes, foi para morar ou estudar. Só agora, que eu tenho três filhas morando no exterior, que eu vou a passeio. Mas ter nascido num lar antroposófico não significa nada, ainda mais, vocês conheceram o meu pai [Rudolf Lanz], quando eu perguntei para ele, aos 15 anos: “O que era antroposofia?”. Ele falou: “Não, agora você vai estudar química, física, matemática, biologia e, se depois você quiser saber, podemos conversar”. A coisa encurtou um pouquinho porque eu comecei a namorar um rapaz que estudava no ITA e que, de repente, teve a sua imagem de mundo totalmente sacudida (risos). Ele foi conversar com meu pai que falou: “Olha, talvez eu possa te ajudar. Tem essa antroposofia, e eu vou te dar uns livros, mas você não pode mostrar para Sonia”. Eu tinha 16 anos (risos). Bom… acabamos casando, estamos casados há 58 anos [Valdemar Setzer]. Eu só fui conhecer a antroposofia quando houve um curso para as jovens professoras, lá da Steiner. Então, Valdemar foi convidado e eu também queria ir. Apesar da minha pouca idade, eu fui aceita e desse curso, então, surgiu o pedido para fazer uma introdução à antroposofia, que meu pai fez. Não havia livros em português, então meus pais faziam resumos das palestras, ou então por meio de palestras em espanhol. Bom, foi esse o meu caminho, sempre muito liso, muito reto, sem problemas. Eu sabia, ainda na época que eu estava fazendo colegial, que queria fazer medicina; que iria fazer medicina antroposófica; que seria médica escolar… quer dizer, tudo isso eu já sabia, e foi assim que aconteceu. O que eu não sabia era que de repente, nos anos 90, eu acabei, do nada, vindo a ser presidente da ABMA – Associação Brasileira de Medicina Antroposófica. Na segunda gestão, Derblai veio junto. Foi a primeira vez que trabalhamos em conjunto e foi muito bom. Algo que eu não imaginava que fosse acontecer, durou oito anos.
Ute: Mas aí, deu uma chacoalhada na vida? Ou foi sem atropelos?
Sonia: Não… quer dizer, claro que teve os problemas na vida… tiveram sérios problemas até. Durante 28 anos fui médica escolar, tive meu consultório pequeno e, enfim, as coisas foram acontecendo assim, de maneira bastante lisa, eu diria… o que não significa que eu não tive que fazer muito esforço e muito trabalho próprio. Quando Ingrid Böhringer ia deixar a o cargo de secretária geral, já aconteceu de eu ser indicada e na época não tinha condições, mas principalmente, eu não queria deixar de fazer algo que eu fazia bem – e o que ele [Derblai] continua fazendo bem – que são as aulas, as formações em medicina. Também atuei muito na formação pedagógica e depois, em 2014, 2015, houve um pedido para eu participar do grupo de transição. Porém surgiu um problema de saúde na família e eu não pude assumir. Depois veio o terceiro pedido, aí não teve jeito (risos). Foi muito bom porque não era pra ser um secretário geral, mas três, e isso me deu um alívio. Naquela eleição, estar com vocês, ou saber que eu iria trabalhar com vocês, foi assim, algo maravilhoso.
Derblai: É… quem sabe ia ser bom lembrar um pouquinho dessa eleição sociocrática. Eu vim para a reunião, mas não imaginava que tinham sugerido o meu nome e que eu nunca seria o secretário geral. Não me sentia capaz, era um cargo que transcendia muito as minhas possibilidades. A coisa foi acontecendo, acontecendo, e por azar, eu sentei do lado da Sonia. Quando eu dizia não, ela dizia: “Eu acho que vai, juntos”. Ok, né? (risos) E pra você Ute, foi parecido também? Porque você já estava no grupo de transição.
Ute: Sim, já. Lembrando daquele dia, eu lembro muito bem você na porta. Falei para você brincando: “Você vai ser o secretário” (risos). Você não lembra?
Derblai: Não! (risos) Eu já dizia não.
Ute: Era intuição (risos). É, eu me lembro bem. Me lembro da surpresa e aí no fim a gente aceitou, porque eu acho que tinha que fazer isso mesmo.
Sonia: Talvez, complementando… Eu, apesar de médica, mas principalmente médica escolar – e percebendo também o pouco envolvimento dos professores com a antroposofia – decidi me dedicar mais à antroposofia. A medicina estava em segundo plano. E foi assim que, com a participação no ramo e depois substituindo meu pai – tanto dando aulas no seminário, como depois, assumindo a condução do Ramo Rudolf Steiner – e, principalmente, a época de Parsifal [na escola Waldorf], foi algo fundamental para mim, entrar nesse aspecto da antroposofia.
Derblai: Eu acho que isso é uma qualidade tua que muitos percebem; essa fidelidade à antroposofia. Uma defesa, uma clareza em relação ao propósito da antroposofia como um todo. Essa ligação com a vida antroposófica. E da Ute, esse cuidado, ou não só o cuidado, mas uma ligação com esse que sofre, com esse que precisa... E de algum modo, o destino, por sete anos intensos, nos uniu para fazer esse trabalho.
Ute: Isso achei muito interessante mesmo… porque nenhum dos três queria ser secretário. Eu diria que foi uma surpresa! Aí, depois a gente aceitou. Eu acho que pelo destino mesmo… acho que a gente tinha que ficar junto e passar essa fase dentro da Sociedade Antroposófica. A gente estava junto. Cada um tinha a sua história e cada um diferente. Você [apontando para Sonia] é mais o passado, pela fidelidade. Eu sou mais irrequieta, que vem do futuro. E você [apontando para Derblai] está equilibrando, pela meditação. Eu achei muito bom assim.
Sonia: Eu acho que houve uma cumplicidade. E havia não só esse respeito mútuo, mas também, sabendo das diferenças que tínhamos entre nós, a aceitação do outro.
Derblai: Eu acho que isso é bom também, realçar que nós somos muito diferentes. Porém, de algum modo, o respeito mútuo, o reconhecimento, foi algo que cria um clima, um ambiente, de muito valor para a Sociedade. Logo 2016, 2017, quando tinha eventos aqui na Sociedade, em que a gente recebia os membros, ou fazia uma apresentação, se criou um clima em que os membros falavam para nós: “Está bom de ir na Sociedade, participar dos eventos”. Então teve uma confluência aqui.
Ute: É, parecia que estavam reconhecendo que realmente é uma casa dos membros. Eu achei também. A gente tinha maturidade suficiente para ver a qualidade do outro, e como isso se complementa, do seu jeito.
Derblai: E outra coisa que para mim é importante, quem sabe como um legado – com todo cuidado: esse respeito, esse reconhecimento da qualidade do outro e apoiar o que o outro tinha a intenção de fazer. Por muitos anos, na nossa participação aqui, se a Ute queria fazer algo, ou a Sonia, havia o empenho de todos. Isso fluiu muito, isso frutificou para outros âmbitos da Sociedade. Então foram anos de um trabalho muito harmônico, muito produtivo.
Sonia: Eu queria lembrar de um aspecto, que o Derblai me surpreendeu muito, que nós demos vários cursos juntos, em tantos lugares diferentes. Mas você se revelou aqui, como secretário geral, como alguém muito proativo, e isso eu não conhecia.
Derblai: E aqui foi um local para as coisas fermentarem. Por isso, o nosso trabalho na direção geral, como um todo, com os diretores, foi algo que frutificou. Possibilitava isso! E uma necessidade era trazer os membros, que até hoje a gente fala da periferia… E que depois, com o trabalho da Sonia nos ramos, isso ficou claro e ficou muito forte. Mas era trazer os membros para a Sociedade, abrir a casa para as iniciativas. Então a gente fez aquele “antroposofia na prática”, os antropósofos que vão para universidade… Então foram coisas que também mobilizaram. E a outra coisa, no comecinho, que acho que foi importante que aconteceu, foi o espaço de escuta… Foi uma ideia inicialmente da Patricia Buzatto, da [diretoria de] comunicação. Nós ouvíamos uma vez por mês, dois secretários ou diretores, receberam as pessoas que vinham fazer críticas, fazer comentários, trazer iniciativas... Isso foi algo que foi importante.
Sonia: Mas, eu tinha uma dor. Ainda tenho, mas já um pouco menos… de que tudo era centralizado aqui em São Paulo, e que os ramos que haviam em outros locais, sempre buscavam como é que se fazia aqui. E para mim, isso foi um pouco doloroso, porque eu sempre achei, e continuo achando, que existem pessoas de muito valor em todos os lugares; e elas não aparecem, ficam na dependência de São Paulo. Então, esse foi um projeto que eu comecei e que eu pretendo levar adiante, de realmente incentivar a periferia a se tornar mais ativa. Fizemos reuniões com coordenadores de ramos e, desses encontros, eu lembro que eu perguntei: “Bom, em São Paulo, a gente costuma na Sociedade fazer uma comemoração natalina. Vamos fazer online esse ano? Algum ramo gostaria de participar?” Oito ramos se candidataram, e disso surgiu a rede de ramos que faz as festas cristãs. Esse foi um primeiro passo, e eu tenho muito orgulho disso, claro. Mas, ainda quero aprofundar muito mais o trabalho com coordenadores de ramos, trabalhar um pouco mais essa essência entre os coordenadores, para empoderá-los cada vez mais.
Derblai: Nesse sentido, no encontro nosso, ficou claro a necessidade do centro ir para a periferia; de a partir da Sociedade, a partir de São Paulo, do centro ampliar para a periferia... E aí que veio, aqui entre nós – e a Ute puxou isso, esse impulso, esse movimento agora, da CaminhAção.
Ute: Sim. Isso tem também a ver com isso. A gente realmente sair de São Paulo e ver os talentos invisíveis. Dentro desse ideal de entender o que é a brasilidade à luz da antroposofia, o que é social, como as pessoas se ligam com a antroposofia, ou com a corrente espiritual do maniqueísmo... E aí, se desenvolveu, em 2019, antes da pandemia, em 12 cidades. Foram criados certos núcleos e depois com a pandemia continuou… assim, mais ou menos se arrastando, mas continuou. E agora tem mais núcleos. Eu acho que é uma tentativa de penetrar nesse grande Brasil. Quando chama de CaminhAção é dentro desse ideal da brasilidade, do social, da fraternidade econômica.
Sonia: Acho que ainda tem a questão das seções. Quando nós começamos, em 2016, só existia a Seção Pedagógica, já fazia muito tempo, com a Luiza Lameirão puxando tudo isso, sendo que os médicos, dentro da Escola Superior, se reuniam, talvez uma ou duas vezes por ano, para um aprofundamento. E, de repente, surgiu a Seção Médica, e em seguida a Seção de Ciências Sociais, a de Ciências Naturais, quer dizer, de repente várias Seções. Ainda não chegamos às 12 – agora são 12 lá no Goetheanum. A Seção de Jovens aparecia e desaparecia, isso desde tempos imemoráveis quase. Mas, também essa necessidade, que eu vejo, de empoderar as seções, que não caia tudo na direção geral ou na secretaria geral, mas que as próprias seções, junto com a direção geral, assumam responsabilidades.
Ute: Sim, para criar um organismo vivo da Escola Superior. Tem as seções, os secretários, e os leitores, nós, como representantes a Escola Superior… e não cada um separado, eu acho que a gente tenta fazer isso e é uma tarefa que tem que continuar.
Derblai: Naquela época, quando se falava em Escola Superior, aconteciam leituras da aula da Classe, que seriam, assim, a parte do estudo da universidade da Escola Superior. E as seções, os departamentos e as universidades não estavam acontecendo. Então a gente fez um empenho para que isso acontecesse. E até ano passado [2022], tinham encontros regulares, que nós aqui da Sociedade organizamos, entre as seções, para que aprendam, pratiquem esse trabalho conjunto. Isso seria bom que continuasse.
Ute: Sim. Do meu ponto de vista, tinha que fazer como se fosse um Congresso da Escola Superior de Ciência do Espírito, sabe... Criar esse conceito bem firme que tem uma escola, e aí dentro dessa escola tem esses vários agentes: as seções, os leitores e os secretários, porque não tenho essa imagem firme. E além de tudo isso, como eu sou do futuro, já que criou mais uma seção, por que que a gente não pode criar uma também? Eu já falei isso uma vez lá no Goetheanum, não teve muito entusiasmo não… (risos) Mas eu acho que não podemos desistir, no fundo, dessa ideia. Poderia fazer uma Seção de global issues [questões globais], não sei como falar isso em português, mas tudo que é mundial, que tem a ver com o mundo todo. E aí tem muitos assuntos que, lógico, sempre a gente pode enfiar isso na Seção de Ciências Sociais, mas ela estoura. Porque tudo é ciência social, né? Ela não dá conta... Então por que que não pode criar uma outra seção, que abarca, por exemplo, esses assuntos que têm a ver com o mundo inteiro, como por exemplo, o racismo, a discriminação, toda essa parte do mundo de forma social, por exemplo? Tem muitas coisas que combinariam entrar aqui. Essas coisas eu acho que serão boas, mas eu sei que não vai ser na minha vida (risos).
Sonia: Nesta (risos).
Ute: Eu acho que não (risos).
Sonia: Pra mim um aspecto muito importante é realmente cuidar da essência da antroposofia e realmente fazer com que esse Brasil enorme participe em conjunto, se enriquecendo mutuamente. É algo que eu não vou deixar de fazer, quer dizer… não é que eu deixei de ser secretária geral que eu não me sinto responsável por isso. Talvez isso seja até uma mensagem para os membros: não precisa ter cargo para ser ativo. Precisamos da ajuda de todos! Somos muito poucos.
Derblai: Pra mim, e isso aprendi com vocês… Se eu lembro dos momentos em que a coisa florescia, fluía, andava, eram em momentos e situações em que um apoiava o outro. Um não criticava a iniciativa do outro. Então, é um desejo meu que a Sociedade Antroposófica seja um local para o encontro de pessoas que se apóiam e que levam um trabalho adiante. A gente sabe que não é perfeito, que não é o ideal que vai acontecer, mas que possamos evitar críticas e não jogar areia no mecanismo… deixar as coisas fluírem.
Ute: Agora, dentro do Goethenum, o meu desejo é que tenha uma coragem e um tempo também disponível para as pessoas que lideram o Goehteanum, para mais profundamente se juntarem com essas outros países que existem. E ter uma governança que é muito mais aberta, muito mais inclusiva também. Se a gente, no Goetheanum, não abarca isso, a gente sempre terá uma visão muito parcial daquilo que acontece na antroposofia. Tem que mudar um pouco a estrutura, ter coragem de mudar essas estruturas. Isso eu acho importante para o século XXI.
Derblai: Um impulso nosso aqui da Sociedade nos últimos anos – central, que é em relação à Pedra Fundamental, à meditação desse mantra… É meu desejo que isso continue, e eu também vou continuar participando e ajudando que os encontros aconteçam. Quem sabe a gente crie encontros sobre a Pedra Fundamental voltado para jovens. Como traduzir aquela linguagem complexa, que não é simples entender esses mantras, como a gente viu o Peter Selg fazer. A gente começa a poder falar sobre aquilo. Quem sabe traduzir isso para espaços com pessoas mais jovens? Como relacionar as necessidades da época com o remédio, com aquilo que pode satisfazer uma necessidade. A Pedra Fundamental, a vida contemplativa ao redor desses mantras, pode dar substâncias, condições para as pessoas viverem melhor. Quando a gente ouve Peter Selg fica claro: a Pedra Fundamental alimenta, traz qualidades de alma que permitem lidar com o dia a dia sofrido da nossa época. É o futuro.
Sonia: Eu acho que é uma das coisas que ainda faltou fazer e que é uma tarefa para o futuro, é realmente dar mais ênfase às artes. Eu me lembro, uma vez, quando Johann Smith esteve aqui, nos anos 80… ele deu uma palestra e falou assim: “Se num lugar não houver euritmia não haverá antroposofia”. Isso me marcou!
Derblai: Como que a antroposofia pode irradiar isso para a sociedade? Onde carece arte, carece de ciência, carece religiosidade... Daqui a uns anos, em alguns âmbitos já começa a acontecer isso. Haverá uma busca pela antroposofia – e nem só pelo que vive nas palavras antroposofia e no meio antroposófico, mas o que está irradiando de alunos Waldorf, de médicos antroposóficos, etcetera. O mundo vai beber dessa fonte. Uma questão de tempo… Esperança. Boas coisas virão.
Sonia: E estaremos juntos. Esse acho que é um ponto bem importante de não apenas delegar, mas de continuarmos juntos.
Ute: Eu gosto de uma fala que o Christopher Clausen uma vez falou: “Precisamos uns dos outros para sermos humanos.” Achei isso muito bom, porque a gente não pode ser humano sem a gente ter a consciência do dia a dia, que eu preciso do outro; se não, a gente não se torna humano.