ENTREVISTA COM AGRICULTORES BIODINÂMICOS
Ronaldo Lempek conversa com João e Márcia Kranz
Ronaldo Lempek conversa com João e Márcia Kranz
Para comemorar os cem anos de Agricultura Biodinâmica, nada melhor do que uma conversa com agricultores. A convite do periódico da Sociedade Antroposófica no Brasil, Ronaldo Lempek conversou, em maio de 2024, com João Jacó (64) e Márcia Regina Kranz (54), citricultores em Montenegro, município do Rio Grande do Sul.
João e Márcia trabalham para a Cooperativa Ecocitrus, fundada em 1994. Atualmente, a organização conta com 113 membros, e suas vendas são distribuídas em 50% para o mercado interno e 50% para o externo. No trato diário com a terra e com a colheita, o casal conta com o auxílio das filhas Flávia (19) e Joanna (23).
Ronaldo Lempek: Como vocês conheceram a biodinâmica?
João Kranz: Vou resumir o que dá, tá? Teve um evento em São Paulo, onde mostrava tudo que tinha de citricultura no Brasil. Como era agricultura orgânica, a cooperativa foi convidada a participar desse evento, e um colega, o Luís Laux, também participou e lá se falou em biodinâmica. Logo depois, ele [Luís Laux] fez o curso em Botucatu (SP), e através dele a gente começou a conhecer.
RL: E vocês já eram produtores, então?
JK: Eu comecei desde pequeno. Tive uma saída quando tinha 15 anos, mas com 17 voltei. E nós fizemos agricultura sempre, convencional, usando química, veneno, até 1999. Quando a gente entrou na cooperativa é que a gente mudou para o orgânico, e logo depois para a biodinâmica. Fizemos o curso do João Volkmann (produtor de arroz biodinâmico em Sentinela do Sul, RS) em 2001, mas a gente começou a trabalhar os preparados em 2004. Seria interessante mencionar quem começou com a gente nesse grupo. Eram seis pessoas: Ildo Kettermann, Claudio Laux e seu filho Luís, Inacinho Rohr, Ademar Henz e eu.
RL: E o processo de conversão que vocês passaram, foi muito complicado? Como foi essa passagem do sistema convencional para o biodinâmico?
JK: A gente teve muitos problemas e muitas perdas. Na transição paramos completamente de usar os químicos, e a gente não tinha sombreamento para ajudar as plantas. Teve perdas bem acentuadas por três ou quatro anos, mas a gente conseguiu reverter.
RL: E esse confronto, nessa passagem, gerou uma relação com a cultura, foi um aprendizado?
JK: Foi um grande aprendizado para começar a entender como as plantas se comportam. O agricultor, em geral, mas todos os que trabalham na agricultura convencional, não entendem a planta, como a gente começou a entender, observar, acompanhar. É uma agricultura, hoje, totalmente diferente. A gente percebe isso.
RL: E daquilo que acontece hoje, qual é a impressão e o que sentem com relação ao produto que vocês colhem?
JK: A gente se sente muito feliz, porque sabe que isso realmente é um alimento, né. Em alguns casos, a gente fala que serve até como remédio para as pessoas. Porque tudo o que tem ali de energia, informações, não tem mais no alimento em geral.
Maria Kranz: Além disso, é um alimento diferenciado, mais doce, a aparência é diferente. Até o pessoal aqui da cooperativa fala que sente um gosto diferente do próprio alimento orgânico. Isso é uma coisa que vai além. Muito satisfatório.
RL: Em algumas palavras, qual a relação de vocês com a agricultura biodinâmica?
JK: A relação nossa, o que eu posso dizer? Eu levo isso como uma missão. Nós cuidamos muito de tudo o que tem no meio ambiente. É um sistema agroflorestal com manejo biodinâmico, então as árvores nativas já fazem parte dele. A gente, hoje, já tá dentro disso, a gente faz parte da lavoura. A gente consegue se ver como parte do ambiente que a gente criou.
MK: E acontece uma coisa muito engraçada desde que a gente tá fazendo a biodinâmica. Às vezes, assim, não tem tanta bergamota num pé, mas aí tu vai colher e, bah! Parece até que alguém botou bergamota lá, né. Parece uma coisa do superior. (faz gesto no alto).
RL: O que esse evento climático no Rio Grande do Sul causou de impacto para vocês e no entorno?
JK: O impacto no nosso organismo agrícola foi pequeno. Muito tem a ver com matéria orgânica que tem no solo, e com as árvores. Nas lavouras, a água fica bastante retida, não escorre tanto, e também não leva muito o solo junto porque tem muita matéria orgânica que segura. Além das árvores, que protegem muito o solo. Vamos, é claro, ter uma perda de frutas. As árvores estavam muito carregadas, e com o excesso de chuvas elas ficam estressadas, ansiosas, e largam os frutos para se manter bem. Mas nós trabalhamos isso com os preparados e está se revertendo. Então, estamos tranquilos. No entorno, as estradas estragaram, e tivemos pessoas conhecidas [que sofreram com as enchentes].