RAMOS E GRUPOS DE ESTUDOS
por Sonia Setzer
por Sonia Setzer
Com certa frequência surge a pergunta sobre a distinção entre um Ramo da Sociedade Antroposófica e um Grupo de Estudos.
Ora, já nos primeiros anos de sua atividade na Sociedade Teosófica, Rudolf Steiner fundou Ramos em diversas cidades, onde os membros da Sociedade se reuniam para estudos e onde ele mesmo proferia as palestras quando visitava aquela localidade.
Depois do desligamento da Sociedade Teosófica, Rudolf Steiner fundou a Sociedade Antroposófica em 1912, em Stuttgart. Era uma instituição de caráter mais administrativo. Ele mesmo não assumiu nenhuma função nessa Sociedade, apenas a de dar cursos e palestras.
Durante o ano de 1923, depois do incêndio que destruiu o primeiro Goetheanum, ele fundou várias Sociedades Antroposóficas Territoriais, que agrupavam os Ramos do país em questão.
Na palestra de abertura do Congresso de Natal em 1923/24, durante o qual foi refundada a Sociedade Antroposófica Geral, Rudolf Steiner atribui a esta um caráter esotérico, e ele mesmo, em um ato de imenso sacrifício, assumiu sua presidência. Segue um trecho dessa palestra (GA 260, palestra de 24 de dezembro de 1923):
“Hoje, mais do que nunca, temos de ter em mente que um movimento espiritual, tal como aquele que designamos de movimento antroposófico, não nasceu de arbítrio terrestre. [...]Trata-se da revelação de algo espiritual; e quem tem uma disposição anímica receptiva, pode receber a revelação das potências da vida espiritual. Portanto, abriu-se para a humanidade a revelação de algo espiritual. Isso não foi devido a uma vontade arbitrária terrestre, mas obedecendo ao chamado proveniente do mundo espiritual; não foi consequência de arbitrariedade humana. [...] Isso deu origem ao impulso do movimento antroposófico. Esse movimento antroposófico não está a serviço do âmbito terrestre. Esse movimento antroposófico, em sua totalidade, em todos os seus detalhes, está a serviço dos deuses, constitui um serviço divino. A disposição anímica correta é reconhecer isso, em seu conjunto, como sendo um serviço divino. [...] Gravemos profundamente em nossos corações que esse movimento antroposófico deseja unir a alma de toda pessoa que a ele se dedica com as fontes primordiais de tudo o que no mundo espiritual seja humano; [...].”
No decorrer da evolução, a humanidade foi conduzida pelas hierarquias; mas atualmente elas se retraíram para o ser humano poder desenvolver sua liberdade. Contudo, elas podem intervir, desde que seres humanos atuem no sentido de solicitar essa ajuda dos mundos superiores.
Os Ramos podem ser considerados o coração da Sociedade Antroposófica. Neles se reúnem personalidades que, em conjunto, querem formar uma comunidade na qual entidades como o ser espiritual Antroposofia, mas também Micael e outras entidades hierárquicas podem atuar, vertendo revelações dos mundos espirituais. Tanto é que em uma palestra proferida em 3 de março de 1923 (GA 257), Rudolf Steiner fala da necessidade que as pessoas têm, no encontro com outras pessoas, de acordar para uma consciência mais elevada, para o âmbito anímico-espiritual: “Os seres humanos devem aproximar-se mais uns dos outros do que tem sido até então: cada pessoa que encontra outra deve tornar-se um ser que desperta [a outra].”. E na Carta aos membros de 3 de fevereiro de 1924 (GA 260a), ele escreveu:
“É justamente em tais reuniões que se poderia confirmar uma verdade significativa. Quando pessoas procuram o aspecto espiritual em conjunto, em uma atitude de sinceridade interior, também encontram os caminhos que as conduzem umas às outras, de alma para alma.”. [...] Nas obras sobre antroposofia encontra-se uma cosmovisão. Nas reuniões antroposóficas o ser humano deveria encontrar o ser humano.
Isso pode ser a base do cultivo de uma vida comunitária na Sociedade Antroposófica.
Pode-se considerar os Ramos da Sociedade Antroposófica ramos da árvore Antroposofia, a qual pode ser considerada o invólucro físico do ser Antroposofia. As raízes dessa árvore estão no mundo espiritual, de onde chegam os conteúdos que passam pelo tronco (Sociedade Antroposófica), pelos ramos mais grossos (Sociedades Territoriais), até os ramos mais finos (Ramos), de onde individualidades podem levá-los às instituições (folhas). Isso faz com que os Ramos assumam um compromisso formal com a Sociedade Antroposófica e, portanto, com o mundo espiritual. Nos primórdios, e até meados do século XX, apenas membros da Sociedade podiam frequentar os Ramos.
No entanto, com o correr do tempo, surgiram os Grupos de Estudos, cuja finalidade é trabalhar, de início, as bases da antroposofia com pessoas que estão se aproximando dela ou, então, estudar obras relacionadas a campos de interesse comum, como pedagogia, medicina, agricultura etc. Esses Grupos de Estudos não têm um vínculo formal com a Sociedade Antroposófica, podendo se desfazer assim que o estudo estiver concluído. No caso dos Ramos, se um se desfaz, é como se se eliminasse parte do envoltório de um ser espiritual.
Pode-se até dizer que um Grupo de Estudos satisfaz anseios mais imediatos, volta-se mais para o aprendizado, o conhecimento e a tentativa de compreender conteúdos transmitidos por Steiner. Nos Ramos isso também ocorre, porém, ainda há outros elementos a serem considerados.
Na Carta aos membros de 27 de janeiro de 1924, Rudolf Steiner escreveu:
"A antroposofia somente pode prosperar sendo algo vivo, pois a vida é o traço fundamental de sua essência. Ela é vida que flui do espírito. Por isso quer ser cultivada pela alma vivente, pelo coração caloroso.
A forma arquetípica sob a qual ela pode aparecer entre seres humanos é a ideia; e o primeiro portal ao qual se dirige entre pessoas é o entendimento. Se não fosse assim, não teria conteúdo. Seria mero enlevo emocional. O verdadeiro espírito, todavia, não é dado a enlevos: expressa-se por meio de uma linguagem clara, plena de conteúdo. No entanto, essa linguagem tem a característica de não alcançar apenas o intelecto, porém o ser humano como um todo. Quem apenas assimila a antroposofia com o intelecto, mata-a ao assimilá-la. Talvez julgue que ela seja uma 'ciência fria'. Contudo, nem percebe que ela perdeu sua vida calorosa devido à acolhida que ele lhe preparou em sua alma.”
Foi visto no início, que se pode considerar o aprofundamento em antroposofia um “serviço divino”. De fato, quando um grupo de pessoas trabalha em comunidade, ajudando-se reciprocamente a crescer do ponto de vista anímico-espiritual, e não apenas adquirindo mais conhecimentos, esse grupo “está a serviço dos deuses”, está até mesmo oferecendo nutrição às hierarquias que, por sua vez, dependem desse trabalho humano.
O trabalho de um Grupo de Estudos pode ser muito sério e profundo, e em muitas circunstâncias um Grupo de Estudos que trabalha em conjunto por muitos anos, amadurece a ponto de desejar constituir-se em um Ramo da Sociedade Antroposófica. Isso não lhe confere status, não o fortalece; mostra apenas o desejo de querer assumir certa responsabilidade para com o mundo espiritual e a Sociedade Antroposófica Geral. Um Grupo de Estudos não tem essa responsabilidade, embora também possa contribuir no sentido de um despertar recíproco e de manter a antroposofia vivente.
Que futuramente, mediante um trabalho sério, caloroso, muitos Grupos de Estudos possam vir a constituir Ramos, tornando-se assim egrégoras que, junto com outros Ramos, formem um cálice para onde possam fluir as revelações espirituais.
Sonia Setzer é médica antroposófica, tradutora, palestrante e autora. Foi presidente da Associação Brasileira de Medicina Antroposófica de 1991 a 1999, e desde 1998 é coordenadora do Ramo Rudolf Steiner de São Paulo. Foi secretária-geral da Sociedade Antroposófica no Brasil de 2016 a 2023.