A ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIA DO ESPÍRITO - SUA IDENTIDADE E PROPÓSITO
por Ana Paula I. Cury
por Ana Paula I. Cury
Breve contextualização histórica:
Em 1922, Rudolf Steiner se voltou ao grande público através de turnês com palestras organizadas profissionalmente com as quais ele buscava apresentar o caráter científico particular da antroposofia. Junto com seus colaboradores ele também conduziu os “Cursos da Escola Superior de Ciência do Espírito” em Berlim e em Haia, com programas ricos em conteúdo. O curso em Berlim estava organizado de forma que, em cada um dos setes dias, Rudolf Steiner iniciava com uma palestra pela manhã e seguiam-se cinco apresentações de acadêmicos, que eram membros da Sociedade Antroposófica, falando sobre a permeação de seus campos de expertise com os métodos e perspectivas antroposóficas. Também foram organizados extensos eventos acadêmicos profissionais durante o Congresso em Viena, em junho de 1922.
Ali, Rudolf Steiner disse aos membros que em nossa época não havia como deixar de representar a antroposofia publicamente diante da consciência (mentalidade) científica, era forçoso fazê-lo, especialmente desde a abertura do Goetheanum como uma Escola Superior de Ciência do Espírito. O ponto, entretanto, era não tentar tornar a antroposofia semelhante ao academicismo moderno, mas antes infundi-lo com a antroposofia.
Com o incêndio do Goetheanum no final de 1922, nenhum curso de ciências foi mantido em 1923. Confrontado com as ruínas do edifício e a agressividade à qual suas palestras públicas estavam sujeitas, ele não mais empenhou esforços em programas públicos sobre temas sensíveis.
Ao invés disso, Rudolf Steiner se voltou para uma reorganização interna da Sociedade Antroposófica na tentativa de torná-la um órgão para o ser da antroposofia e um suporte instrumental para a Escola Superior de Ciência do Espírito.
Durante o Congresso de Natal, com a refundação da Sociedade Antroposófica e a instituição da Escola Superior de Ciência do Espírito na sequência, Rudolf Steiner indicou que no futuro tudo dependeria de: seguir apenas os impulsos do mundo espiritual, agir no mundo sob o signo da verdade plena e como um representante da causa antroposófica. Ele demonstrou de forma inequívoca sua rejeição por qualquer tentativa de acomodar a antroposofia no background por razões estratégicas. A meta não era obter a aceitação ou concordância do mundo, mas ter a coragem de representar a antroposofia em todos os campos de atuação profissional de modo verdadeiro e livre. Ele disse que, no presente, o mundo espiritual deseja dar um passo adiante em relação à humanidade e que se devia deixar que os críticos falassem sem se permitir desviar do propósito por força do que dizem. Um impacto muito maior seria necessário a partir do movimento antroposófico, se este quisesse ter uma presença efetiva na era moderna.
Na primeira aula da Escola ele afirmou:
“Com esta aula desejo retornar a Escola Superior de Ciência do Espírito, enquanto instituição esotérica, a uma tarefa cuja realização estava ameaçada nos últimos anos. No futuro, a Escola Superior de Ciência do Espírito no Goetheanum deverá ser uma Escola esotérica.”
Isso pode ser interpretado como se ele pretendesse uma mudança de direção dos cursos e metas acadêmicas em favor de um puro esoterismo e, mesmo hoje, há muitos que compartilham dessa leitura ou visão. Afinal, a Escola é onde o trabalho é feito por meio de mantras e meditação. Mas seria essa a intenção de Rudolf Steiner?
Entendo que ele não queria uma composição mista de academia convencional e antroposofia, mas desejava uma renovação da vida acadêmica ou do mundo acadêmico, bem como da cosmovisão científica como um todo. Ele queria uma representação da antroposofia e não concessões à forma acadêmica de pensar.
Grandes tensões na Europa se desenvolviam, política e socialmente, em direção a novas catástrofes. Para ele, tratava-se de responder às condições contemporâneas e à situação dentro da própria Sociedade Antroposófica. Ele mesmo já vinha sofrendo ataques e difamação há um bom tempo. Assim, com o Congresso de Natal, ele assumiu uma nova abordagem estabelecendo a Escola Superior de Ciência do Espírito para todos os colegas que escolhessem por si mesmos este caminho de disciplina, no sentido do serviço a Micael com efeito na vida prática e por isso, a Escola trazia as Seções para os campos específicos de atuação no mundo. A Escola deveria formar a substância interior espiritual, como alicerce para a tarefa de imbuir e transformar disciplinas profissionais por meio da antroposofia, envolvendo pesquisa, treinamento, ensino, publicações, de sorte que: novos impulsos pudessem ser trazidos ao mundo com um forte senso de responsabilidade e compromisso aliados a uma intensa consciência social das dores e necessidades da humanidade.
De acordo com Ita Wegman, Rudolf Steiner compreendia as Seções como comunidades espirituais para a realização do trabalho no mundo a partir de uma disposição pentecostal. Era assim que ele via. Ele queria esforços produtivos e resultados práticos que respondessem às questões do mundo e não apenas aulas e conversas esotéricas.
Se a Escola realmente oferecesse resultados de qualidade satisfatória para os problemas do mundo, seria difícil sustentar uma oposição a ela. Seus frutos falariam por si.
Ele esperava uma metodologia verdadeiramente antroposófica nas disciplinas científico-naturais e considerava isto uma chave decisiva para o futuro. Era muito mais uma questão de impulsos metodológicos com resultados concretos. Ele pensava as Seções como institutos de pesquisa onde o mais profundo esoterismo se unisse à maior presença pública possível por meio de resultados e realizações visíveis.
Portanto, a Conferência de Natal não significava uma guinada para dentro, nem a criação de novos círculos reivindicando reconhecimento e validação esotéricos. Mas a culminância de um processo de reformulação do conceito de Escola Superior de Ciência do Espírito em um sentido micaélico, com contribuições efetivas nas áreas de: educação, medicina, pedagogia curativa, agricultura, artes etc. Essas iniciativas deviam tomar seus impulsos, ou beber da fonte da Escola Superior de Ciência do Espírito, a partir da pesquisa, do ensino e do treinamento. O Goetheanum deveria ser como um coração espiritual por meio do qual flui a seiva – o sangue vital para este trabalho no mundo.
E que expectativas tinha Rudolf Steiner em relação aos membros da Escola?
Ele não esperava que a maioria dos membros da Escola se engajasse em esforços acadêmicos produtivos, nem que fundassem instituições ou iniciativas que colocassem a antroposofia no campo da prática. Isso ele esperava dos líderes que eram financiados para se dedicar a esse propósito, e dos profissionais que estavam estabelecidos nas iniciativas antroposóficas por todo o mundo. Dito isso, todos os membros da Escola são buscadores, discípulos do conhecimento espiritual. Todos são pupilos de Micael e, para eles, trata-se de se tornarem humanos no verdadeiro sentido, bem como terem um engajamento responsável em relação à antroposofia e sua representação, de sorte que a compreensão antroposófica do ser humano se torne cada vez mais enraizada na cultura de nossa época.
Uma de suas grandes expectativas para a Escola envolvia a Sociedade Antroposófica e seu desenvolvimento futuro em um efetivo órgão cultural com valor civilizatório, significando que por meio dela a antroposofia se difundisse e criasse as bases de uma nova cultura mais humana.
Ele esperava que os membros reconhecessem a batalha espiritual entre Árimã e Micael que diz respeito não apenas à sobrevivência física do ser humano e da Terra, mas da própria essência do que nos faz humanos; e quão importante seria uma renovação nos campos da medicina, da pedagogia, da ciência natural, das ciências sociais e das artes.
Ele admitiu na Primeira Classe, todo o colegiado de professores da escola Waldorf de Stuttgart, bem como todo o grupo dos jovens médicos e todos os sacerdotes da Comunidade de Cristãos, além dos primeiros pedagogos curativos. Ele via a entrada na Escola não apenas como compromisso pessoal e privado, mas tinha em mente o princípio da representação como um compromisso de afiliação profissional – pois com isso, a integração da Escola ao movimento, que neste caso Rudolf Steiner entendia como as inciativas antroposóficas, poderia ser realizada.
Sobre o caminho das 19 aulas da Primeira Classe
As aulas da Primeira Classe apresentam o caminho de desenvolvimento do aspirante espiritual que despertou para uma realidade que transcende aquilo que o conteúdo do mundo sensorial lhe dá, pois o sente como insuficiente para responder ao enigma de seu próprio ser e existência. Este caminho deve conduzir do eu inferior, ou personalidade, ao Eu Superior e, deste até o Logos Divino.
Cada aula representa um estágio nesta senda e ao final a situação apresentada em seu sentido e significado é vertido para uma forma mântrica com a qual se deve meditar. As aulas são dadas mediante a leitura das transcrições do que o próprio Rudolf Steiner disse e que, por sua vez, configura o que o mundo espiritual quer comunicar em nosso tempo àqueles que queiram se empenhar pelo verdadeiro autoconhecimento.
Pouco antes de sua morte Rudolf Steiner disse ao Conde Polzer-Hoditz, que se constituíra leitor de Classe, que as aulas não deveriam ser dadas com contornos didáticos. Era muito mais uma questão de performar atos ocultos através dos versos mântricos recebidos e de uma conexão interior com a natureza do Mistério da Humanidade. Era e é uma questão do poder da presença de Micael nas aulas que, segundo ele, não está de maneira alguma assegurada, mas pode se tornar real conforme a atmosfera que se forme. Dependendo da disposição anímica que se constitua, Micael é capaz de consagrar e fortalecer a realização das aulas; ele pode estar ativamente presente com seu espírito e seu amor.
Trata-se de os membros aprenderem a se fortalecer para seguir e proceder aos impulsos que emergem do mundo espiritual. O mundo espiritual quer algo do movimento antroposófico no presente. Sentir-se responsável e fazer-se digno destes impulsos – isso é o que esperava Rudolf Steiner de cada um dos membros. Que se empenhassem pelo desenvolvimento das capacidades de percepção espiritual e a vontade de agir coerentemente com o que então se percebe e compreende; encontrar estes impulsos com coragem, clareza e veracidade. Só assim poderemos sustentar-nos num mundo arimanizado onde se abrem abismos e há tanta destruição.
Em um outro contexto, Rudolf Steiner afirmou:
“A verdadeira meditação é uma realização da vontade espiritual que porta o espírito do tempo em si. Onde uma tal meditação é praticada, um poder espiritual é capaz de penetrar nos eventos terrenos. Hoje, os mundos espirituais querem atuar nos acontecimentos terrenos, mas eles só podem fazê-lo quando o espaço é criado para isso através da meditação humana.”
Nas aulas da Primeira Classe, Rudolf Steiner fala da tarefa da Escola de estabelecer para a antroposofia uma rocha firme. Se nos lembrarmos dos acontecimentos na virada dos tempos, uma “rocha” devia ser o fundamento para a constituição da comunidade cristã, uma rocha que foi personificada por Pedro. Aquele em quem se manifestou a consciência de que o Cristo era o Filho de Deus vivo, o redentor. Esse reconhecimento, essa consciência fundamental, deveria ser o alicerce, a pedra angular da edificação da Comunidade de Cristãos. Micael também necessita de uma legião de colaboradores, de servidores, que queiram espiritualizar a inteligência que caiu à Terra e com isso religá-la aos poderes originais dos quais partiu. É com eles que se pode estabelecer a rocha firme na qual se assenta a antroposofia.
Referências bibliográficas:
The Anthroposophical World Society and its School for Spiritual Science – Peter Selg – Steiner Books, 2024
Por que Tornar-se membro da Escola Superior Livre de Ciência do Espírito? – Sergei Prokofieff – Editora Antroposófica – 2011
The School of Spiritual Science – an Orientation and Introduction – Bodo von Plato, Johannes Kühl e Heinz Zimmermann on behalf of the Collegium of the School for Spiritual Science – Temple Lodge - 2010
Ana Paula I. Cury é médica formada pela UFMG e em Medicina Antroposófica pela ABMA. É aconselhadora biográfica, coordenadora do ramo Ictus de São Paulo, do projeto social Semear, em Paraisópolis, e fundadora da Escola de Famílias da Escola Waldorf Rudolf Steiner e do COPA, que forma líderes para Comunidades de Prática Parental Consciente. É membro do MOVEH, movimento pela Educação Humanizadora. Atua como docente convidada pela Faculdade Rudolf Steiner, da ANEP (Associação Nacional de Educação Pré-natal) e outras instituições, além de conferencista sobre temas como antroposofia, saúde e educação.