OS VITRAIS DO GOETHEANUM
por Isabela S. Soares
por Isabela S. Soares
As janelas coloridas do grande salão de conferências do Goetheanum, edifício sede da Sociedade Antroposófica Geral, na Suíça, nos revelam, em forma de imagens, grandes ensinamentos da ciência do espírito sobre o caminho de desenvolvimento do ser humano e sobre a sua meta futura de evolução.
O Primeiro Goetheanum, destruído em um incêndio em 1922, foi concebido artisticamente por Rudolf Steiner — em sua arquitetura, colunas, capitéis, pinturas e vitrais — como uma grande “imaginação objetiva”, e profundos conhecimentos poderiam ser despertados no ser humano por meio da contemplação ativa do edifício. No palco do Primeiro Goetheanum, as artes musicais, a arte da fala e a arte da euritmia completavam a grande imaginação vivente nas linhas, formas e cores do edifício. Rudolf Steiner deixou-nos também quatro obras dramáticas, os dramas de mistério¹, que, ao serem encenados no interior do edifício, dialogavam com os demais elementos artísticos nele contidos. Após a queima do Primeiro Goetheanum, os vitrais foram recriados para a nova construção, onde os Quatro Dramas de Mistério continuam a ser representados, ano a ano, durante as Noites Santas.
Ao subirmos as escadarias do atual edifício, miramos a oeste o grande vitral vermelho que nos mostra o abismo que separa o mundo da ilusão sensorial da verdadeira realidade do espírito. Ingressamos então no grande salão, onde nos deparamos com o primeiro par de janelas, os vitrais verdes. O vitral ao norte retrata a atuação de Árimã, no mundo visível, sobre o ser humano; o vitral ao sul mostra-nos como Lúcifer procura exercer sua influência sobre a alma humana.
As palavras que acompanham as imagens dos vitrais fazem parte do primeiro volume dos dramas de mistério: O portal da iniciação. As falas iniciais de Lúcifer e Árimã situam-se, na peça, antes do despertar espiritual dos dois protagonistas, João Tomásius e Maria:
“Não houve tempos
em que tu não me vivenciaste.
Eu te segui por muitas vidas.
Pude preencher-te
com forte identidade,
com a satisfação
da própria existência.” (Lúcifer)
“Não houve tempos
eu que tu não me vislumbraste.
Enxergaram-me os olhos do teu corpo
em todo o vir a ser da Terra.
Eu pude, para ti, resplandecer,
em beleza orgulhosa,
em glória de revelação.” (Árimã)
As falas seguintes são proferidas ao final da peça, depois que os personagens superam as provas do caminho iniciático e conquistam a visão espiritual:
“Eu vejo-me forçado a abdicar das almas,
pois a sabedoria
que conquistaram
lhes dá forças para me contemplarem.
Só mantenho domínio sobre as almas
enquanto não conseguem contemplar-me.
Mas persiste o poder
que me concede o vir a ser do mundo.
E, não podendo seduzir suas almas,
de minha força surgirão em seu espírito
os mais maravilhosos frutos.” (Lúcifer)
“Sou obrigado a desistir de seu espírito.
Eles irão voltar-se para a luz.
Entretanto, não me será vedado
agraciar as almas com a aparência.
Elas não mais irão acreditar
que seja realidade,
mas mesmo assim contemplarão
como se manifesta.” (Árimã)
Pequeno roteiro para a contemplação dos vitrais:
Procure sentir, primeiro, como a cor dos vitrais movimenta a sua alma: em que ambiente estamos adentrando? Quais qualidades essa cor desperta?
Observe na janela ao norte: de que elementos se compõe a paisagem? Como é representado o corpo de Árimã; e que espaço ele abrange?
Nas imagens menores, abaixo, procure observar a relação do ser humano com as profundezas da terra e com os ritmos planetários. Como esta relação se transforma ao passarmos da imagem da esquerda (passado) para a imagem à direita (evolução futura)?
Na janela ao sul, procure observar: de que elementos se compõe a figura de Lúcifer e a qual âmbito do ser humano ele apela?
Nas imagens menores, note o olhar do ser humano (se aberto ou fechado) e observe a relação deste com os doze seres que o circundam no espírito (sua postura é ativa ou passiva?).
Observe também em que direção parece fluir o movimento entre o mundo espiritual e o mundo terreno, em cada imagem.
Notas explicativas:
¹ Escritas em quatro volumes, esta coleção intitula-se Quatro Dramas de Mistério, localizada no GA 14 dentro da obra completa do autor, e somente o primeiro volume foi publicado em português, no Brasil, até o momento. Os quatro volumes são: I. O portal da iniciação (Editora Antroposófica, SP, 1996); II. Die Prüfung der Seele [A provação da alma]; III. Der Hüter der Schwelle [O guardião do limiar]; IV. Der Seelen Erwachen [O despertar das almas]. Fonte: https://www.sab.org.br/antroposofia/livros/lista-da-obra-completa-de-rudolf-steiner
Isabela S. Soares é formada em euritmia (IMO, Brasil) com especialização em euritmia terapêutica (West Midlands Eurythmy School - Inglaterra) e tem mestrado pela Universidade de Alanus (Alemanha). Criou, em Campinas, o espaço terapêutico Casa das Rosas, onde atua como euritmista terapêutica e massagista rítmica, e onde desenvolve um projeto de Educação Terapêutica com crianças e adolescentes em situação de alta vulnerabilidade social. Colabora, como euritmista e palestrante, em cursos e formações antroposóficos. Coordena o Ramo Cristóforus e, desde 2022, é diretora cultural da Sociedade Antroposófica no Brasil.