Socioambiental

O  impulso regenerativo como impulso individual e social 

Por Manfred Osterroht e Mariana Moura


O impulso de regenerar paisagens para enfrentar a crise climática já acontece espontaneamente em muitos cantos do mundo. Neste artigo examinamos sua essência e nos questionamos como fortalecê-lo pela Antroposofia e pelo Goetheanismo, dando como exemplo o projeto ART.

 

1. O fenômeno do impulso  

O que move algumas pessoas a regenerarem, efetivamente, toda uma paisagem? Foi isto que fizeram Lélia Salgado e Sebastião Salgado (com apoiadores), quando recompuseram a Mata Atlântica do Instituto Terra, em menos de 30 anos. 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Terra  

As imagens do ‘antes’ e ‘depois’ mostram como os pastos sujos de uma tradicional fazenda de gado se regeneram para uma exuberante mata atlântica, como podemos acompanhar no seu filme biográfico ‘O Sal da Terra’: hKps://www.youtube.com/watch?v=JbFY9Bjoys4  

 

2. O reconhecimento do perigo iminente  

Certamente são pessoas que já se convenceram que a humanidade caminha para uma fornalha mortífera, apesar de todos esforços públicos e corporativos, de comunicados de boas intenções, certificações ESG (sigla de “ambiental, social e governança”, em inglês), mercado e crédito de carbono. Tudo isto somado (apesar de ser valido como “aquecimento prévio”, primeiros passos...) ainda é muito tímido! É mais marketing do que algo efetivo! 

 

3. O planeta Terra não nos suporta mais 

Também são pessoas que veneram a natureza como veneramos nossas divindades, nossa família, certas instituições ou nosso corpo: um organismo vivo que nos nutre e mantém durante toda a nossa biografia, tal qual o planeta manteve a humanidade em toda sua evolução. Até aqui! 

Em pouco mais de 100 anos a população mundial saltou de 2 bi para 8 bilhões, dotada de um consumo voraz e acelerado. Por outro lado, vive nessa minoria uma vontade de reverter a degradação coletiva da maneira mais criativa-construtiva e, muitas vezes, até humilde que se possa imaginar. Essas pessoas querem agir! 

 

4. A superação de uma ilusão  

Faz algum tempo que os sinais de esgotamento do planeta chegam até nós e são prontamente ignorados. De onde vem essa indiferença? Ela brota de uma confiança basal que criamos na “mãe natureza”. De fato, a resiliência do planeta sempre foi muito grande. Ele parecia nos perdoar todos os erros durante décadas, até séculos. Essa tolerância acabou. Tornou-se passado, hoje é uma ilusão, na verdade sua vitalidade está em declino já faz tempo.


5. Uma ajuda que vem de Goethe  

Desde Goethe a ciência tem clara noção de que paisagens e até biomas são organismos complexos. Por maiores que sejam, os biomas são organismos coesos e dinamicamente estáveis. Por outro lado, representam os órgãos do planeta Terra, de sua biosfera, indissociável de sua atmosfera + hidrosfera + litosfera. Somente dotados desta visão orgânica podemos entender os diferentes sinais (catástrofes naturais, como incêndios, elevação do nível dos mares, oscilações no regime de chuvas, secas e geadas extremas, enchentes) como sintomas de esgotamento do mesmo e único organismo Terra. Ele já não consegue se coordenar e harmonizar seus fluxos, e o latejo de seus órgãos tornou-se descoordenado, um aviso prévio sonoro e contundente. 

 

6. O impulso regenerativo brota de dentro  

A cada ano cresce o número de pessoas que compreendem os sinais, decidem cooperar, tomam iniciativa e regeneram algo ou alguém, sem haver uma imposição para isso. Muitas vezes com grande esforço e algum sacrifício. Isto vai desde um voluntariado em comunidade local, até a mais humilde adoção de um cachorro de rua. Acontece por generosidade individual, porque as forças do coração inspiram a conduta dessa pessoa, que passa a inspirar outros a regenerarem também. Pode haver uma força espiritual muito grande no ato de regenerar, como pudemos perceber, recentemente, nos relatos sobre iniciativas antroposóficas emergentes na África (Congresso de Michael 2023, em Dornach, Suíça).

Núcleos locais regenerativos desenvolvem uma comunicação que brilha pelo exemplo. Iniciativas antroposóficas podem ser pioneiras, fortalecendo o impulso regenerativo por dentro, transmitindo clareza, coragem e determinação.


7. Um ato livre, é o que o planeta pede para cada um de nós  

Ouvindo seus depoimentos, podemos dizer que muitas dessas pessoas tiveram uma intuição moral (cf. R. Steiner, em A filosofia da liberdade): querem fazer exatamente aquilo que lhes cabe fazer, em prol do planeta Terra, até individualmente, se for preciso. Nesse espaço sagrado, que é o coração humano, vivem e pulsam os ideais que poderão se unir à vontade, inflamando o coração com coragem. É do coração que nasce o impulso regenerativo, que muitas vezes nutre-se de um intenso diálogo com o mundo espiritual, trazendo essa marca de uma força maior. 

Para quem olha de fora, a ênfase está no agir. Já sabemos até demais sobre a crise, falta-nos entrar em ação. Superar essa gelada inércia de pensar muito e nada fazer. 


8. Paisagens são “nossas”  

No sentido mais prático e vivencial. De fato, toda paisagem envolve um conjunto maior de pessoas, que nelas vivem e atuam. Mesmo que a posse daquele pedaço de crosta terrestre seja de algumas poucas pessoas. Isto se torna claro se pensarmos que os serviços prestados pelas paisagens são para todos: o ar que respiramos, a captação de carbono, água doce e pura para humanos e animais, e muito mais. 

 

9. O mistério do engajamento coletivo  

Soluções maiores na regeneração de paisagens surgem quando as pessoas se organizam. O engajamento coletivo é tão benéfico quanto misterioso. Em certos casos ele acontece espontaneamente e em outros custa muito a acontecer ou nem mesmo acontece. Como compreender aquilo que desata ou favorece o engajamento coletivo? Existem pistas que nos ajudam neste desvendar. 


Já estamos unidos previamente 

Imaginem os pais e mestres de alunos de uma escola, unidos por questões educacionais e de funcionamento da escola. De repente, um grupo de alunos decide plantar árvores com o lema: “stop talking, start planting”. Foi o que fez o garoto Felix Finkbeiner, numa escola da Baváaria, incentivando outras escolas a aderirem também, o que acabou se transformando num alastrante engajamento jovem e adulto “plant for the planet” e depois “ecopreneurs”.  (https://www.plant-for-the-planet.org/


Compartilhamos novos ideais 

Toda ideia que consegue ser aquecida pelo coração, torna-se um ideal. Quando os integrantes de um grupo desenvolvem juntos novos ideais, surge uma força inspiradora que muitas vezes encontra o caminho que leva à ação. A questão é como acalentar e avivar os ideais, para que não percam sua força no decorrer do tempo. Vários ideais unidos e bem articulados podem tornar-se um propósito, até formarem uma visão, uma missão e um plano de ação. 

 

10. O propósito regenerativo, um exemplo  

Apenas como exemplo, vejamos o projeto ART (Agricultura Regenerativa Tropical). Numa pequena área, em meio ao agronegócio mais cruel do centro-oeste paulista, uma associação está regenerando a paisagem que lhe foi confiada, instalando o projeto demonstrativo de uma agricultura regenerativa e tropical, a ART. Com faixas agroflorestais de fileira dupla a cada 18 metros, o projeto atingiu uma densidade de 500 novas árvores por hectare. Nas faixas produzem-se diversas frutas, e nas roças diversos legumes, todos com excepcional qualidade e vitalidade. O sistema todo traz um balanço de carbono climapositivo e as árvores adubadoras um equilíbrio das forças planetárias e uma crescente biodiversidade. (Para saber mais acesse: www.regenerativa.art.br)   

 

11. Pertencer a um “organismo paisagem”  

Toda paisagem é regida pelas forças coordenadoras de uma inteligência natural cósmica. Não precisamos ensinar as gralhas a enterrar o pinhão, propagando a Araucária, nem os sapos a comer escorpiões. Nossa ilusão está na urbanização desconectada de paisagens naturais. Uma paisagem pode atingir um alto grau de integração e resiliência, mesmo se ela for uma paisagem restaurada e manejada. É a vivência que nos falta: somos parte propositiva dessa imensa natureza. Se nos aliarmos às árvores, elas terão a capacidade de articular toda a vida ao seu redor. É tempo de criarmos parcerias com as árvores. Não deveríamos morar em cidades concretadas e sim em aldeamentos criados em meio a faixas florestais, por natureza, inclusivas. Seres humanos e florestas têm capacidade de superar a grande crise ambiental. 


12. Como podemos unir forças? 

Neste momento podemos nos visitar e nos conhecer. Nossa Associação “para Promoção do Retorno das Árvores”, (RdA), iniciada em Botucatu, formalizada em São Paulo e migrada para Itápolis, no centro-oeste paulista, está aberta a novos associados e diversas colaborações.

https://www.regenerativa.art.br/associacaorda 


Em breve publicaremos outros textos, ampliando o assunto 'socioambiental'.  


Sobre os autores


Manfred Osterroht

Manfred é agrônomo de campo e coautor do método ART. Seu aprofundamento em fertilidade de solos tropicais, botânica arquetípica, biomas do Brasil e sistemas agroflorestais, traz um viés evolutivo. Com olhar orgânico, adquirido pela visão cientifica de Goethe, mantem seu foco em soluções sistêmicas para paisagens degradadas. Atualmente é presidente da Associação Retorno das Árvores e quer regenerar muitas paisagens!


Mariana Moura

Psicóloga, facilitadora e gestora de projetos sociais, especializou-se em diversas metodologias de aprendizagem e desenvolvimento humano, tendo a Antroposofia e a Teoria U como condução de suas práticas.

Ajuda as organizações sociais a redesenharem seus processos, e cria mapeamentos e diagnósticos territoriais para empresas. Há alguns anos Mariana faz parte da Associação Retorno das Árvores, onde hoje atua como conselheira e diretora.


Itápolis-SP, dezembro de 2023